As secas lembranças do ocorrido ainda se fazem presente nos pensamentos de Maria Flor. Dentre muitas reflexões ao crepúsculo da árida caatinga do sertão cearense, o episódio se repetia constantemente em sua memória, qual a duradoura seca de sua realidade. Fitando o seu passado e presente qual irônica dicotomia, aceitou seu infeliz destino, e de esperançoso modo se jogou à extinta torrente de suas recordações.
Maria Flor era uma senhora de 72 anos, seus cabelos grisalhos denunciavam inconvenientemente sua sabedoria, seu rosto trazia a marca de uma triste enfastiada anciã, qual terra cansada de ser usada. Nasceu em Fortaleza e foi criada no seio da opulência, este fazendo com que todas as suas ditas “meninices” representassem o mais puro desafio a seus pais. Casou-se aos 20 anos com um rico homem escolhido por seu pai, contudo mal a esperava que seu futuro marido teria poucos anos de vida. Teve dois filhos, o primeiro, chamado Fernando sempre esteve mais preocupado com as aparências de uma vida opulenta e sua manutenção, do que a consolidação de uma relação amorosa com sua família, fato que levou a seu repentino casamento com Aurélia, uma rica e influente empresária de Fortaleza. Já o segundo, chamado Paulo, sempre foi extremamente cuidadoso com as relações familiares, tanto que desde pequeno jurava nunca largar a mãe, porém a irônica realidade dos protocolos sociais o levou a mesma situação que Fernando.
Maria Flor agora sozinha, sentia cada vez mais a falta de seus filhos, tanto que seus telefonemas em suma eram direcionados a seus procedentes. Uma inesperada visita dos mesmos, marcou uma suposta esperança de resgate em seu coração. Em meio a sorrisos, não necessariamente verdadeiros e juras, não necessariamente sérias; Fernando começou sua preleção:
— Mamãe, estamos tão felizes de te ver radiante como sempre, como tem passado?
— Muito bem meu filho, muito obrigada. Porém os dias são mais estáticos sem vocês, vejo-me completamente sozinha nessa imensidão de criados e de luxos. Parece que vossa repulsa é intencional, por que não me visitas com mais frequência?
Nesse exato momento, percebendo o viés que a conversa tomava, Paulo indagou:
— Querida mãezinha, nossa vida anda muito agitada, tanto que a presente visita foi fruto de repetidas e curtas conversas. Porém, sem mais delongas, gostaríamos de oferecer um convite bastante esperado. Gostaríamos que a senhora conheça nossas casas e além disso escolha uma para sua eterna estada, qual a presente estadia em nossos corações.
Um sorriso de felicidade e duas curtas lágrimas não puderam expressar totalmente a euforia de Maria Flor, o incipiente pranto escorre veemente. O salto que deu aos braços de Fernando e Paulo, revelou a profunda carência que a assolava. Finalmente aceitou formalmente o convite, e agradeceu emocionada.
— Não existe nada há agradecer, nós que pedimos vosso perdão. Porém necessitamos de vossa assinatura urgentemente pois faz-se necessário para os negócios familiares, mas não é nada que a senhora tenha que se importar.
Maria Flor, ainda emocionada com o pedido, resolveu sem muitas delongas assinar o papel oferecido por seus filhos. Os procedentes, felizes com o êxito de sua missão, deixaram bem claro a vontade de levá-la naquele exato momento e a boa vontade de cuidar da demissão e venda do imóvel habitado pela mãe. A carência de Maria Flor foi rapidamente arrumar suas malas e depois de dois longos quartos de hora, tudo o que viesse a precisar se fazia presente em bagagens. O pior momento foi o de trancar as portas, visto que todo seu passado seria justificado em um esperado, porém incerto, futuro. Ao adentrar o carro, manifestou um incompreensível sono, este a arrebatou de tal forma que em poucos minutos já se encontrava domada pela cruel fera.
Muitas horas se passaram e estas ditaram o rápido abandono de Maria Flor, ainda inconsciente, no meio de uma vazia casa de palha no interior do Ceará. Seus filhos buscavam com a assinatura da mãe a passagem de todos os bens para eles. Possuindo êxito na sua missão e achando desnecessária a existência da velha Maria Flor, a abandonaram.
A dor ainda é forte em seu estéril coração, porém a lembrança dessas memórias não representavam qualquer apanágio em seu sofrimento. Essas recordações a deixaram livre e em brusco movimento sua cadeira balançou e a murcha Maria Flor caiu em eterno sono, qual terra a nunca mais questionar seu uso injusto.
|