Em um de seus mais belos poemas (Aos namorados do Brasil) Carlos Drummond de Andrade pede assistência técnica ao Senhor para falar aos namorados, não deixando de perguntar antes se adianta falar a namorados, se tem algo a dizer-lhes que eles não saibam, "eles que transformam a sabedoria universal em divino esquecimento".
Continua o poeta:
" Pois namorar é destino dos humanos. Quem aprendeu não ensina, quem ensina não sabe. E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu, por obra e graça de sua namorada". E o poeta esteve sempre certo. Namorar não envolve nenhuma ciência. Não há estatutos nem conhecimento milenar, ou arte, capazes de expressar com clareza suas manifestações. Acho que até Deus, senhor de todos, evita intrometer-se em assuntos de namorados, por mais devotos ou charmosos que sejam.
Namorados tornaram-se tão importantes que ganharam uma data exclusiva: 12 de junho. Uma dádiva para o comércio. E olha que namorado sensível não merece um presente qualquer. Há que se trazer a sofisticação de um bom perfume, ou a simplicidade de uma rosa. Tem a possibilidade de uma tarde de luxúrias na suíte francesa do motel. As delicadezas de um jantar japonês ou,
em último caso, pizza e chopp no shopping mais próximo. Cada casal que comemore como for possível, mas que comemore.
Sendo namorar uma arte com regras indefinidas, há evidentemente algumas manifestações intuitivas comuns aos namorados de todo o universo: diminutivos do tipo môzinho, benzinho, baby, lu, gui, ed, ju, bi, ro, rê, dó. E o delicioso cineminha com pipoca e beijinhos, almoços de família, agarra-agarra no carro. Bilhetinhos, briguinhas, ciúmes. Motéis.
Se namorar é bom, namorar com paixão é estar no epicentro do paraíso, confortavelmente sentado e acompanhado: "Cegos, surdos, mudos - felizes! -
são os namorados. Durante, depois são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia". Cegueira, surdez, felicidade, parecem ser componentes inevitáveis da paixão, digo, do namoro. Cegos para um futuro cotidianozinho de obrigações e lutas. Surdos para os sons estridentes da existência. Felizes por se imaginarem em um mundo acolhedor, consistente.
Os jovens constumam imaginar que namorar é uma exclusividade deles. Mas homens e mulheres maduros namoram com igual frescor, com igual rubor na face e indescritível tremedeira nas pernas. Até se rejuvenescem. É tudo uma questão de química elementar. Química. E Biologia. Ambas têm algumas coisas a ver com namorar: misturas, hormônios, líquidos, secreções, batimentos cardíacos, dilatações.
Outra manifestação intuitiva dos namorados é o trato com o vocabulário. Palavras soltas, de domínio coloquial, ganham uma perdoável entonação romântico-brega em seus lábios: meu amor, minha flor, meu lindo, meu coração, minha vida, meu doce, te amo, te amo. Muito, muito mesmo. -Desliga você. -Não, desliga você primeiro. -Tá. - Então diz que me ama, diz. - Digo. Te amo. Tá bom, desliga. - Não demora. - Vaaai... Isso tudo dito dentro de uma afinação melódica (ou seria melosa?) que só o namorado, intuitivamente, domina. Fazer o quê?
Uma importante manifestação intuitiva do namoro é o beijo. Se eu te namoro, eu te beijo. O lingüista francês Roland Barthes considerava que "quando o homem passou à postura ereta, ficou livre para inventar a linguagem e o amor: talvez seja este o nascimento antropológico de uma dupla perversão concomitante: a palavra e o beijo. Assim sendo quanto mais o homem se liberou (com a boca) mais falou e beijou; e, logicamente, quando, pelo progresso, se livrar de toda atividade manual, nada mais fará senão falar e beijar". O beijo é, simultaneamente, expressão e experiência. Expressa um desejo, experiencia um gosto. Depois que os lábios se tocam, tudo se torna possível. O beijo confirma, carimba, reitera aquilo que é desejo e quer ser encontro, volúpia.
E há namorados recentes que acreditam ter reinventado a arte de namorar. Que encontraram no celular e na internet grandes aliados. Namoro que é namoro não pode mesmo recusar nenhuma dessas maravilhas da tecnologia. Mas, em sua essência, namorar não parece ter mudado muito desde os tempos em que Adão e Eva viviam no paraíso. Deixo que diga o poeta: "Namorar é o sentido absoluto que se esconde no gesto muito simples, não intecional, nunca previsto, e dá ao gesto a cor do amanhecer, para ficar durando, perdurando, som de cristal na concha ou no infinito".
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