Num glorioso domingo de sol, e na companhia de um frondoso jardim, Túlio encostou-se numa bela macieira. Seus olhos, infantilmente, tentavam contar quantas maçãs existiam na árvore, que, graças ao forte vento, deixava suas macias folhas caírem sobre o rapaz.
O sol, o ar e o vento, á medida que se entregavam às celestes tarefas da natureza, acariciavam, suavemente, a liso rosto de Túlio. Dizem as más línguas, ou até mesmo as boas, que o mais doce afago é o de mãe, porém, tenho a certeza que os que afirmam isso nunca experimentaram um carinho tão gostoso quanto o da natureza. A pele alva de Túlio se arrepiara, enquanto seus virginais cabelos loiros entregavam-se aos rígidos braços do vento. Os afagos foram tantos que, Túlio não resistiu e caiu num sono profundo.
De repente, um forte jovem de cabelos escuros e olhos azuis se aproximou de Túlio. O rapaz não conseguia tirar os olhos daquele lindo anjo, que estava a descansar inocentemente na macieira. Seus olhos focavam, apenas, na vermelha e pequena boca de Túlio. O olhar era de desejo, de necessidade, de uma intensidade tão grande que, qualquer um que os fitasse nesse momento, veria a natureza quase simbiótica daquele olhar. Álvares desejava possuir aquela boca, explorá-la como um grande achado naquele deserto de homens. Não importava mais o tempo, a hora, o minuto, mas sim os repetitivos segundos que aqueles olhos apaixonados eram hipnotizados por aquela ruborizada boca.
Álvares, num brusco movimento, pegou uma maçã. Seus dentes afiados perfuravam vorazmente o fruto. Enquanto isso, Túlio lentamente abriu seus olhos verdes e fitou o lindo rapaz que estava na sua frente. Em longos passos, Álvares se aproximava do jovem. A ansiedade e o calor daquele momento atormentavam Túlio, fazendo-o arfar de medo e desejo a cada passo de Álvares. Os olhos de ambos se encontraram. Os narizes se tocaram. As respirações se unificaram.
Álvares ofereceu o resto da maçã mordida para Túlio. O rapaz, apressadamente, aceitou o fruto e mordeu no mesmo lugar em que o outro mordera. O sabor era divino. A sensação era de vivacidade. Liberdade. Leviandade. Mortandade.
Túlio inutilmente tentou articular algumas palavras, contudo foi interrompido por Álvares.
- Seus olhos são mais brilhantes do que o orvalho da manhã. Eles são as folhas, que acariciam o mais merecedor viajante. Deixe-me, Túlio viajar por suas curvas, beber dessa fonte fecunda. Deixe-me, ser esse viajante! A maçã que te apresentei nada mais é do que a confirmação de nosso amor, de nosso afeto, de nossa necessidade de viver e morrer juntos. Deixe-me ser teu Romeu! Quero apresentar-lhe a vida! Quero estar contigo na morte! Quero não ter saída! Por favor, seja meu consorte. – Disse Álvares apaixonadamente.
- Dizem que os seres humanos nasceram com duas cabeças, quatro braços e outras quatro pernas. Os deuses, por inveja de nossa alegria, separaram esses membros em dois corpos e condenaram a espécie humana a viver procurando sua alma gêmea. Dizem que um “beijo de amor pode matar o nosso coração de carne”, contudo tão bem dizem: que o amor nos deixa mais vivos. Não quero saber se vivo estou, ou se morto permaneço; quero apenas sentir seus abraços a envolverem os meus. Quero morrer a vida! Quero viver a morte! Tudo quero ao seu lado. – Respondeu Túlio chorando.
- Oh Túlio, tu não sabes o quanto estou emocionado com tuas palavras. Amá-lo-ei até o fim da vida! Seremos a terra. Seremos o corpo. Seremos o céu. Serei teu sol, enquanto tu serás minha nuvem. Serei seu dia, enquanto tu serás minha noite. Serei teu, tu serás meu. Seremos um!
A maçã rolou da mão de Túlio, enquanto ele se aproximou de Álvares. O beijo era impedido por poucos milímetros. Álvares, lentamente, dirigiu seus secos lábios àquela fonte perene de felicidades. O calor dos corpos se começava a se unir. Eles seriam um! Túlio, esperando esse glorioso momento, fechou seus olhos.
Túlio, de repente, abriu seus olhos. Nada mais existia. Apenas uma boca não beijada e uma maçã mordida.
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