Hoje aplaudes a fogueira dos sentidos,
sob o luminoso resplendor da juventude,
desfilando tua fresca plenitude
frente àqueles de encantos desprovidos.
Hoje gozas quando és admirado,
desfiando um rosário de trejeitos,
que exaltam másculos traços tão perfeitos
que Apolo a Zeus confessa-se ultrajado.
Hoje pisas corações que te pertencem
com o desdém de quem é alvo disputado,
açoitando os que confessam apaixonados
toda a sorte de temores que não vencem.
Hoje provas do néctar de tantos lábios
pelo prazer de entre os teus dar-lhes prisão.
Ósculo ardente que nos turva a visão,
desafiante tal poder até os sábios.
Se hoje uma alma presenteias com teu corpo desnudo,
toma-lhes o espírito e lá dentro faz morada,
condenando-a a rastejar desvairada,
sobre os sulcos de teus pés -covas de veludo.
Hoje escarneces dos amores despertados
vaidoso a mirar-se no espelho,
e clamas aos céus em mil apelos,
da beleza e frescor jamais deserdado.
Mas, pobre criança, eis o amanhã chegando,
desvirginando-se ante teus olhos estupefatos.
Vagorosamente há de pesar também teu fado,
quando perceberes tuas forças definhando.
Amanhã a pecadora matéria há de enrugar,
e dos teus lindos olhos resvalar uma lágrima.
Não maldigas tua sorte nem a lástima
de sozinho não a poderes enxugar.
Arrepende-te, belo, pela aridez de teus sentimentos!
Olha em volta, respira, sente,
respeita àquela que solitária pressente,
quão mais grandiosos agora são teus pensamentos.
Exulta! Eis que entra a paixão em tu'alma carcomida,
e cristaliza tua lágrima com um beijo,
e enfeitiça teus dias com um lampejo,
de que és Homem pela fé reassumida.
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