Não conseguia se perdoar. Seus erros passavam vez após vez pela sua já atormentada mente, como se fizessem parte de um filme exibido à exaustão. Parara no tempo, por assim dizer. Não conseguia fazer a vida fluir, seguir em frente, como dizem... O passado era um “fantasma” lhe assombrando continuamente e ele parecia inerte, incapaz de qualquer reação.
Achava-se indigno de ser feliz. Fugia de toda e qualquer boa oportunidade, pois sentia-se imerecedor. Seus sentimentos de culpa tornavam-no auto-destrutivo. Por mais que estivesse arrependido e por mais que já tivesse pago por seus erros, nunca acreditava ser o suficiente. Assim sendo, pensava na morte com constância. Não no sentido de tirar a própria vida, mas no sentido de fantasiar sobre como seria “bom” estar morto. Ao menos, não se encontraria mais naquele estado lastimável de auto-condenação.
Há dias não saía mais de casa. Desligara o celular, tirara o fone residencial do gancho. Não atendia nem mesmo à campainha, de modo que os vizinhos chegaram a temer pelo pior. Temores estes que desapareciam quando vez por outra ouviam o barulho relativamente alto do televisor, único “companheiro” que lhe restara. O fato é que a vida não parecia ter mais graça, sentia-se um “nada”, um zero à esquerda da esquerda; estava simplesmente vivendo por viver.
Havia feito acompanhamento psicológico por um tempo, mas cansara-se das sessões. Não percebia melhora, não tinha vontade de falar. Achou que no seu caso, era pura perda de tempo. Talvez, até mesmo tivesse piorado.
Naquela noite, olhou-se no espelho, atenta e demoradamente. Parecia mais velho. Os cabelos compridos, desgrenhados; a barba enorme, tornando-o quase que irreconhecível. Sentiu raiva daquele homem estúpido que o olhava de um modo deprimido. Culpou-o por estar daquele jeito. Num rompante de loucura, agrediu-o apenas para em seguida, lamentar-se pelo profundo corte do vidro em seu braço, outrora forte, agora fraco. Sentou-se no chão e chorou compulsivamente, não tanto pela dor física que de fato sentia, mas pelo emocional que se encontrava quebrantado. As lágrimas caíam em abundância, misturando-se ao sangue escorrendo, também de modo abundante. Foi naquele momento que um “estalo” veio à sua mente: não fazia mais sentido continuar daquele jeito.
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