ONDE ESTÁ A FELICIDADE.
Salvador, 23 de março de 2010.
Conto.
Último dos três irmãos, Juquinha – Jucardino Evangelista de Amorim foi o menos favorecido pela sorte, talvez pela educação doméstica. Os dois primeiros viveram a fase primeira do casal Lupercino Amorim/Maria dos Prazeres Amorim. E todo casal iniciante, quando não vem de família rica e bem apossada, embora iniciando com a força de uma formação universitária, que enseje boas oportunidades de profissão, como ocorreu com Lupercino, apelidado de Lúper e Prazeres, passa por uma fase difícil. Primeiro emprego, salário pequeno, compromissos assumidos na instalação do lar. Daí que, em regra, os filhos primeiros são criados modestamente, mesada regrada ou mesada nenhum, o dinheirinho do ônibus e para a merenda um pequeno sanduíche, às vezes nada. Essa educação modesta, aliás, criação modesta, melhor se defina, gera responsabilidade na criança, no adolescente, no moço. Neste cria o cidadão, a cidadã bem sucedidos. Repare-se, aliás, pense-se se não é!
Assim ocorreu com Lucília e Gotardo, os dois primeiros do Lúper. Formaram-se cedo, boa formação e cedo se colocaram bem, cedo se casaram. Dão presença e gosto aos pais, o gozo de terem filhos em altas posições, tão boas quanto as suas.
Já o Juquinha veio bem depois, ao tempo das vacas gordas, e foi criado com mimos e delicadezas. Motorista para levar ao colégio e trazer, mesada farta, sorvete de chocolate... Esses luxos. Resultado é que gazeava, aliás, escapulia da aula para prazeres menores, pequeninas estripulias. E os pais relevavam. Ou pela maior estima ao caçula, ou até pela ocupação de ambos, ela médica, ele jurista, os dois professores universitários de sucesso e brilho, escasso tempo para coisas do lar ou tarefas menores, que se realizavam por empregados. E o Juquinha foi ficando solto. Perdeu o primeiro vestibular, perdeu o segundo... Não queria nada. Sem compromisso de trabalho e sem cursos a realizar, sem estudos, quis dar uma andada, um passeio por aí. Escolheu a casa do padrinho, homem de bons recursos, mas, no campo, voltado para a área rural, precisamente para o setor agrícola horto granjeiro, que lhe enseja renda suficiente para viver bem, sem problemas, sem que nada faltasse ao lar. Sem luxo, sem volta ao mundo essas coisas de nababos esbanjadores. Com muita segurança de vida – plano de saúde, mesa grande, casa farta, bem estar. Em sua casa posou Juquinha e não queria sair. Na pequena cidade onde morava o padrinho, bem próxima da granja, se aboletou o afilhado. Uma mocinha mais ou menos de sua idade, cria da casa, sobrinha do granjeiro, o qual, não tinha filhos, e nesta pôs sua estima e dedicação. Era uma filha ou como se fosse. Adotiva. Estudava na faculdade local, naturalmente menos ilustrada e sofisticada que as universidades, na capital. Em pouco namoravam os moços. Iam a meses nessa vidinha de gente em início de vida. Em período mais ou menos próximo do vestibular na capital, Lúper ligou ao filho e ao compadre, pedindo o retorno do rapaz, a fim de preparar-se para os exames. O moço não queria retornar. Estava no bem bom, boa casa, boa cama, mesa farta e a namorada. Falou ao padrinho que estava gostando de sua filha e queria ficar e casar, começar a vida ali mesmo, no interior, gente simples, terra sossegada, bons amigos... Ser granjeiro. Se fosse caso de estudar, se fosse necessário se formar em alguma coisa para viver, ali mesmo estudaria e viveria. O padrinho ouviu a filha, que manifestou também o desejo de se casar com o primo. Eram primos, assim se consideravam. O padri... E é que ainda não foi dito o nome do compadre do Lúper, padrinho do Juquinha. Chama-se Eunápio Amorim e é parente em segundo grau do compadre. Pois bem, ouvidos afilhado e filha, Amorim ligou o compadre sugerindo que deixasse o menino a seus cuidados, ele não queria voltar a capital. Poderia estudar ali mesmo, e realizar um curso menor, trabalhar e se casar. Estava de namoro com a prima, sua filha. Consultava se o compadre concordava com as duas coisas, que o padrinho tomasse o afilhado como genro, como filho, aliás, e o encaminhasse. A menina era sua sobrinha e filha adotiva. Confabularam Lúper e Prazeres, estiveram de acordo. Tudo bem, responderam. O moço ia fazer-lhes muita falta, era a sua preocupação e o cuidado. Mas, tudo bem, o padrinho seria um segundo pai. E logo aí se realizou o casamento, fizeram-se bonitas festas, o casal de professores mostrando seu brilho e títulos na pequena cidade Cabrobó. Do Recife a Cabrobó era uma esticada de automóvel bastante longa. E o casal Lúper/Prazeres constantemente ia ver o filho e a nora, os compadres. Em uma dessas foram olhar a granja e lá estava o Juquinha administrando uma chácara, a sua – uma roça eles disseram de mau humor, uma roça, nosso filho um roceiro!
- Não meus compadres, isso não é propriamente uma roça, é uma horta, trabalho agradável. Adubar o chão, ver o fruto nascer e crescer, zelar por ele com amor. Ao fim tirar boa renda, bastante para um bom passadio, agradável, sadio e confortável. É disso que seu compadre vive e é isso, compadres que me dá felicidade e gosto pela vida.
- Vida de roceiro... Não é o que projetamos para nosso filho. Os irmãos dele estão bem situados, e ele aqui...
- Compadre, você me ofende. Disso vivo, e vivo bem, entendam, fartamente. Precisaria que tivesse sido doutor, professor, para ser feliz? Sabe que tive oportunidade de estudar. Tanto quanto vocês. Escolhi o que sou e certamente irei para o mesmo cemitério que vocês. Que é a vida, meus compadres? Que é a vida?
Lupercino gaguejou, Maria dos Prazeres gaguejou. Sem resposta ambos. Viajaram de retorno ao Recife sem conformar-se, chorando pela infelicidade, pela desgraça do filho. E dá que tanto, tantas vezes telefonaram, tanto rogaram e reclamaram que acabaram amolecendo a vontade do filho, um moço fraco, inseguro, indeciso. Deixou a esposa, foi afastado do padrinho, não se comunicaram mais. A menina... E o nome? Esqueço demais! Nem disse o nome da guria. Era Norma. A Norma, bonita e insinuante, formação modesta, suficiente, entretanto para bem apresentar-se, não demorou e teve novo namoro, novo casamento. O próprio noivo, advogando com sucesso no fórum local, requereu e conseguiu a anulação do casamento de Norma, argumentando erro de pessoa, e, um pouco mais a imaturidade do ex-esposo. Logo decretada a nulidade estava o novo casal em lua de mel no Recife.
Juquinha fez um curso qualquer, inexpressivo. Sem vontade nenhuma, diria constrangido, obrigado. E não teve profissão nem trabalho. Não se casou. Casar para viver de quê? Mora na casa dos pais, um homem indo para os sessenta anos, sem renda nenhuma, minguada mesada da mãe – mãe é mãe. Na mesma casa, ele e o pai mal se cumprimentam. E este, não obstante o doutorado, não teve o brilho que imaginava. Arrasta os pés dentro de casa aos oitenta anos, mal humorado e magoado da vida. Não consta que transferisse ao filho recursos ou bens que lhe ensejem o sustento até os oitenta deste, até à morte, aliás. Irmão, em regra não dá nada a irmão. E como ficará o Juquinha depois de falecidos os pais. A ex-esposa está muito bem, filhos, família constituída. O marido, sem deixar a advocacia, que nem tanto rende, tem uma bonita horta ao lado da chácara do pai de sua esposa, a que era do Juquinha. E hoje, o sogro idoso, ele administra as duas, mais tempo na roça que no escritório, onde dá freqüência o sócio. Sabe que todo o patrimônio ficará à esposa, e assim aos seus filhos. Enquanto isso, Juquinha, de lágrimas nos, aqui, ali, lamenta com a mãe: Espancaram minha sorte, não me deixaram ser feliz.
Em pouco mais Lupercino e Amorim estarão no cemitério, onde as larvas fartam-se de todos os corpos humanos... De todos os corpos animais. A natureza é perfeita. “Lembra-te homem, que és pó e ao pó reverterás!”. Deus é a perfeição das perfeições. E a vida o que é, a que se destina. Viver e ser feliz. Onde está a felicidade?
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