Assim como as cartas de amor, as mensagens de Natal e os cartões com sinos, anjinhos e o Bom Velhinho trazem palavras doces. Às vezes, de tão doces, chegam a ser piegas, ridiculamente sentimentais. Mas hoje eu quero lhes falar de uma cena que não está nos shoppings e nem nas casas cheias de luzes coloridas e crianças sadias brincando. Sei que há mazelas, que abandonados, infelizes e doentes à beira da morte são minoria. Graças a Deus! Entre tanta euforia natalina, tanto oba-oba, há lugares onde o perverso espreita, age o hediondo, os traficantes permeiam e crianças padecem. Garotos, seus corpos pequenos, caráter frágil, carentes de tudo, escravos do mal.
Todos os dias, sou obrigado a passar por aquele bairro Mirim. É um funil que desemboca em várias e movimentadas estradas. Na madrugada, o único posto fervilha de gente esquisita, a maioria não tem carro, mas gargalha mostrando dentes também esquisitos. Lá pelas 6 da manhã, migram pra rua ÂA que tem forma de ferradura, elo entre o posto e as estradas. Carros, filhinhos de papai, play boys (a esta hora, indo para o trabalho?) entram na ferradura cantando os pneus. Um bando de desvalidos os espera. Nos fundos de uma empresa, há arbustos e trepadeiras, que servem de depósito ou dormitório. É o “drive thru” das drogas. Craque, pó, farinha, mano, quanto vai? E as crianças circulam; entregam droga, caem pela rua, desmaiam no meio do lixo. Geralmente pra elas sobram o saco de cola, uma latinha queimada com restos de cinza do craque. Tudo está no chão, pra quem quiser ver.
Nas esquinas, sempre os mesmos, de boné, sentados em motos vigiam. Ali, naquela curva atrás da igreja, vigiar não é temer. É controlar o tráfego, o tráfico. Todo santo dia é a mesma coisa. Passo com os vidros abertos e eles me oferecem drogas. Chegam a colocar a palma da mão, com uma carreira de pó branco, na minha cara. Digo não, obrigado. Procurei a lei, liguei no 181, digitei 9 (para denúncia). Está fazendo um ano e nada. Falei com o comandante J, pedi ajuda. O coronel disse que sua guarda não pode; que a outra polícia não deixa. J disse-me que passou a denúncia para o comandante G e que este iria pra lá com os P2 (agentes secretos). Tentei falar com G; não me atendeu, mas o tenente L me ouviu, pedi uma solução. Voltei a ligar no 190 e no 5000. Bem, está fazendo aniversário e nada. As crianças continuam ali, os vigias, os boys passam, consomem, saem para as estradas que levam a Itatiba, Jarinu, Campinas, Itu...
Não consegui nada; quem não pode com o inimigo... Neste Natal, pedi a um amigo e fomos até lá presentear aquelas crianças que cheiram cola e entregam drogas na rua ÂA. Entregamos cachimbos, camisinhas e seringas descartáveis...
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