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Sobre liberdade e ouro para o bem do Brasil
Galdino Mesquita

Resumo:
"Eu fui com o meu pai entregar um anel de ouro e rubi e duas alianças de seu casamento para os militares que recolhiam as doações numa bandeira do Brasil, em frente ao Museu Histórico da rua Barão de Jundiaí. Vi pais e mães de muitos amigos também depositando no pano verde e amarelo suas esperanças de um Brasil melhor. Não sei até hoje o que foi feito com o montante de ouro que, diziam na época, chegou a uma tonelada, fora o dinheiro, pedras preciosas e até veículos que foram doados. Sei, sim que você pode comprar o antigo anel de latão desta campanha em algum sebo ou pela internet, por R$ 59,90..."


Foi no 13 de maio de 1888, por meio da Lei Áurea, que a "liberdade" finalmente foi alcançada pelos negros no Brasil. Esta lei, assinada pela Princesa Isabel, abolia de vez a escravidão no país. Mas os cofres das elites de Portugal e daqui já estavam abarrotados de riquezas: o sangue e o suor dos negros haviam se tranformado em ouro.

Num outro13 de maio, 44 dias após o golpe militar de 1964 - que jogou o Brasil numa feroz ditadura por duas décadas - pouca gente se lembrou da Lei Áurea e dos escravos. Neste dia, o magnata das comunicações Assis Chateaubriand, o Chatô e seus Diários Associados lançaram uma campanha: Doe Ouro para o Bem do Brasil. Hoje, completa-se 47 anos desta campanha que foi o golpe em cima do golpe. Chegou-se a cogitar que a arrecadação de pequenas joias do povo somou uma tonelada de ouro! O valor arrecadado jamais foi revelado, tampouco o destino que as joias tiveram. Ninguém sabe, ninguém viu e o regime militar cuidou de calar a boca de quem tocasse no assunto.

Meus pais operários doaram o pouco que havia de ouro em casa. O povo ajudou o novo governo, a ditadura, com doações de anéis, pulseiras e pequenas fortunas. O Rotary Club promoveu a Semana Cívica do Ouro. O governador Adhemar de Barros doou o seu salário de 400.000 mil cruzeiros. A indústria doou veículos, empresários contribuíram com cheques, que chegaram a milhões. Cem mil pessoas doaram 400 quilos de ouro e meio bilhão de cruzeiros em duas semanas. Quem fazia a doação, recebia uma aliança de latão com a inscrição "Doei ouro para o bem do Brasil".

Eu fui com o meu pai entregar um anel e duas alianças para os militares que recolhiam as doações numa bandeira do Brasil, em frente ao Museu Histórico da rua Barão de Jundiaí. Vi pais e mães de muitos amigos também, depositando no pano verde e amarelo suas esperanças de um Brasil melhor... Ah, o Chatô, que lançou a campanha, era o dono de um império jornalístico na época, os Diários Associados, que chegou a reunir dezenas de jornais, revistas e estações de rádio, e foi também pioneiro da televisão no Brasil, criando a TV Tupi em 1950. Penso que ele não ficou com esse ouro todo. Chateaubriand faliu e morreu quatro anos depois. Ao lado de seu caixão, dois quadros seus: um cardeal de Velázquez e um nu de Renoir, simbolizando, segundo amigos, as coisas que mais amou: o poder e a arte.


Biografia:
Jornalista, editor, professor de jornalismo na Universidade Paulista - Unip. Com especialização em Educação Ambiental, pela FSL de Jaboticabal, tem artigos publicados em várias capitais.
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