ABANDONO FUNCIONAL
Há muito tempo eu desejava analisar o que fosse o abandono do idoso, fazendo uma análise sobre as suas diversas nuances. Fixei-me na negligência deliberada.
Observei que o abandono tem um viés muito forte de funcionalidade.
Não há como reciclar um velho. Se houvesse essa possibilidade, eu mesmo me colocaria a disposição para reciclagem.
Todavia, o empirismo é o meu foco, pois é ele que solidifica e confirma a minha antes dolorosa tese: a realidade do ABANDONO FUNCIONAL!
É uma “doença” silenciosa de dois vetores, o que faz e o que sente. As desculpas de um se assemelham as do outro. Quando se apercebem, o tempo faz com que fiquem tênues os laços e, diante de tal cenário há que se perguntar: Como tudo isso pode acontecer? Mas aconteceu!
O ABANDONO FUNCIONAL tem no seu bojo uma carga de retóricas, sempre. Tais falsos dizeres tomam ar de verdade aceito até pelo vilipendiado: Meu filho é muito ocupado e por isso não me visita...
O tempo entra em cena.
Tenho o tempo como um ente paradoxal e na sua essência existe um tesouro escondido: a sua maleabilidade. Somente disponível ao ser humano.
Os pais, quando novos, espicham o tempo ao seu bel prazer para fazer frente a todas as demandas dos seus rebentos. Pois eles são importantes. Querem para eles um futuro promissor, pois assim é o caminhar do mundo civilizado. Todavia, é um mundo “confiscador”, pois assim determinamos(erroneamente) que os filhos são para o mundo. Pagamos o preço.
O ABANDONO FUNCIONAL se torna uma realidade para os idosos de todas as idades, travestida de diversas roupagens.
Meu convívio com meus pais(sou um idoso que ainda tem pais vivos.) me mostra no dia a dia o que é na prática o ABANDONO FUNCIONAL. Esforço-me para lhes dar uma boa qualidade de vida e em nenhuma hipótese, da minha parte, lhes desfiro somenos importância. Dedico a eles um bom tempo da minha existência, sem titubear. Nesses tempos o tempo tem relevância. Qualquer pequeno tempo tem importância. Já é um final de jornada e o tempo tem que ter qualidade.
O ABANDONO FUNCIONAL é o pai de muitas doenças, as piores.
Os filhos que não têm tempo, talvez tenham se esquecido de que o mesmo é maleável.
Entrementes, solucionei a questão de maneira singela: construí uma “caixinha do tempo” e nela vou depositando pequenos “tempos” que tenho como se fosse uma poupança.
Toda a vez que alguém precisa de tempo e me pede, eu dou um pouco.
Ironicamente, e generalizando, os filhos são os que mais precisam de tempo...
E assim vamos tocando o tempo, quer dizer, a vida.
Clos
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