Estou entrando em greve por tempo indeterminado.
Pelos menos nos últimos anos da minha existência trato de dirigir meu caminhão com desvelo.
São idas e vindas sempre com missões nobres.
Carrego os dizeres das pessoas que encontro pelo caminho relatando suas más vivências, agruras e amarguras.
Loto a caçamba e me vou para a reciclagem. Deixo tudo lá.
Eventualmente, na volta, passo no posto de combustíveis e abasteço o caminhão da minha jornada. Encho o tanque com otimismo e paciência. E vamos à luta.
Tenho reservado um cantinho para carregar também as minhas pequenas mazelas. São frustrações, algumas mágoas e alguns mal-entendidos. Coisas que caem no nosso colo.
As cargas que levo das pessoas antes eram mais volumosas. As minhas estão aumentando e ocupam cada vez mais espaço no caminhão. Coisas da vida. Ultimamente, quando vou abastecer, eu coloco um aditivo chamado perseverança misturado com um pouco de energia. Vou tocando a vida.
Ao chegar à minha casa dou olá para as paredes, mas elas não falam. Seus silêncios já não são nenhum conforto. Eram mais alegres quando ecoavam as vozes...
Meu mantra antes de dormir sempre é o mesmo: Amanhã será melhor!
Tenho notado que já não pago pedágio há muito tempo. Descobri o porquê: Ficamos invisíveis, eu e o meu caminhão.
É um caminhão antigo, assim como eu. Sempre transportando os queixumes e as tristezas das gentes para bem longe. E agora, transporto os meus dissabores, que achei que não houvesse, para mais longe ainda. O imposto é alto.
Por causa deste imposto, pararei no acostamento da vida para reavaliar a situação.
Não trancarei a estrada para não atrapalhar o ir e vir dos outros “caminhões”.
Ficarei ali, em greve, por tempo indeterminado.
Talvez uma intervenção mental me faça encerrar o meu movimento grevista solitário.
Talvez eu negocie com a vida alguns avanços afetivos. Não sei.
Ou, talvez, eu aposente o meu caminhão e siga a minha jornada a pé mesmo. Sem transportar carga que não me pertence...
Sérgio Clos
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