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Túmulos, covas e cortejos fúnebres
Fernando Rodrigues dos Santos

Todas as noites ele passava pelo mesmo lugar. Descia do ônibus e subia pela mesma avenida escura, dobrava a esquina e seguia pela rua, igualmente escura, até sua casa. Aqueles eram dias chuvosos e estava com os tênis molhados. Em casa, veria os pés enrugados após retirar as meias molhadas e sujas. Também sentiria aquela sensação estranha… aquela que sempre o acometia quando cruzava a porta da sala e olhava para a casa vazia. Silenciosa, fria, úmida e escura. Como um túmulo. Talvez fosse mesmo um túmulo.
No banheiro, pensaria em como havia sido seu dia. Não que houvesse acontecido algo de diferente dos outros. Todos os dias eram iguais. Invariavelmente iguais. Como um cortejo fúnebre. Era isso, seus dias pareciam um eterno cortejo fúnebre, onde as pessoas que o cumprimentavam sabiam que, ao fim, ele seria encaminhado àquela cova. Fria, úmida e escura.

De fato, foi o que pensou ao girar a válvula do chuveiro. Contudo, após tomar banho, acender as luzes da casa e ligar a TV, aquilo tudo já não parecia mais um túmulo. A solidão ainda incomodava, mas afastou os pensamentos mórbidos que passaram a rondar sua cabeça. Ouviu o estômago roncar, fazendo um barulho semelhante ao som de uma galocha afundando numa poça de lama. Um dia inteiro fora de casa, apenas com o café da manhã e um almoço de merda na barriga… putz, que fome do caralho!

Na cozinha não havia nada pronto para comer. Armários vazios, assim como a geladeira. Bom, a geladeira vivia vazia mesmo. Pelo menos desde quando voltara a viver sozinho. Provavelmente, se não tivesse chutado a ex mulher de casa, talvez houvesse algo na geladeira ou sobre o fogão. Pra falar a verdade, se não tivesse chutado a Renata de casa, talvez não ficasse pensando em túmulos, covas e cortejos fúnebres. Renata… por que tinha que ser tão idiota! Bom, esquece isso. Já foi.

Na fruteira, achou algumas mangas meio verdes que sua mãe havia trago na última visita. “Deixa as mangas amadurecerem. Fica aí comendo manga verde com sal e daqui a pouco tá com uma úlcera aí no estômago.” Catou as mangas, uma faca e o saleiro. Se não quisesse que ele comesse manga verde com sal, então não traria manga verde, traria manga madura.

Apesar da fome, demorou para comer. Ficou pensando na chuva e no dia seguinte. Se estivesse chovendo na hora de sair, ficaria complicado. Não tinha guarda-chuva em casa. A Renata havia levado o único que um dia existira por ali. É foda, elas sempre levam tudo.

Largou a bagunça pela mesa mesmo e foi pra cama. Percebeu que não trocava aquele lençol há, pelo menos, duas semanas. Houve uma época onde a roupa de cama era trocada quase todos os dias, como se fosse um tipo de TOC, sei lá. Um quadro se formou em sua mente, em preto e branco, como uma fotografia antiga. A Renata chegava a ser irritante, às vezes.

Catou o controle no criado mudo e desligou a TV. Amanhã será mais um dia. Um dia insosso como pó de giz. No escuro, sobre a cama fria, procurou esvaziar a mente em busca do sono, porém, escapando das sombras como fantasmas, os pensamentos voltaram a falar sobre túmulos, covas e cortejos fúnebres.


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