Conta-se que um casal que a muito morava na Praia da Babugem, lugar de ondas fortes e vento frio, era triste. Não por causa de amor traído nos forrós que haviam por lá nas noites de sexta, nem por falta de peixe frito no arroz com batata no prato, nem por falta de sentimento bonito entre os dois. Não, não. Araciara, bisneta de caboclo, quis muito jovem viver um romance com Gregório, bisneto de pescador. Tiveram muita coragem, levantaram ali perto da maré lugar doce de morar e ficaram, e viveram, mas uma dor foi se anunciando enquanto o tempo batia nas ondas e as ondas batiam nos pés. Era desejo de Araciara dar filho, assim como sonho de Gregório, mas sempre que o ventre da mulher enchia, redondo, bonito e acarinhado, nada nascia. Ninguém vinha da barriga de Araciara. As velhas que moravam por ali e eram viúvas já cansadas de tanto bebê posto no mundo, riam-se dela, e a chamavam Barriga-de-Vento. Araciara chorava. Mas é dito da boca de quem não ri de quem chora, que quando no amor é tempo ruim para as coisas nascerem, ainda assim nasce, nem que seja pé de força, de esperança. Foram em doutor caro, doutor barato, terreiro, capela, e parecia que era bom aceitar. O vento urrava. Eles tentaram.
Encheu de novo a barriga, e Araciara entrou em desespero. Jurou cortar o corpo se nada viesse outra vez. Gregório a deitou na cama e na meia luz do fim de tarde; sorte que chovia e a chuva acalma. Na barriga que já pareceria esconder um coco seco, com tinta escura Gregório desenhou uma orelha envolta do umbigo da esposa, encostou ali sua boca barbada, e pôs-se a contar histórias. Causos da própria vida quando bem menino, causos de pescador, de sereia, e da vida com Araciara. A mulher, o umbigo, o vento, a chuva e a praia escutavam. O homem tinha jeito com histórias, e trazia paz nas palavras. Assim fez ele toda noite.
Sentiu muita dor a moça prenha, numa manhã em que as ondas estavam ainda mais fortes e o vento ainda mais frio. A parteira fez descaso, “não precisa de ninguém pra parir vento”. Mas nasceu, sozinho, entre sangue, riso e choro. Nasceu um menino das orelhas grandes, porque iria escutar aos outros com dedicação. Boca grande, porque beijaria com amor. Língua grande, para falar bonito as palavras, e declamar bem as poesias. Braços longos, para abraçar mais de um numa só vez, se necessário. E desde seu nascimento, a Praia da Babugem tem águas tranquilas, e o vento lá é quentinho como uma dose de pinga.
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