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Iara, e o Risco de Não Vivermos Uma História Inteira
Willians de Matos Flores

Tudo que eu sei é aquilo que a polícia sabe. Relatos que foram se juntando e desenhando um mapa meio incerto do rumo que ela tomou. Se bem que no fundo ninguém se importa, querem mesmo é saber como. Como ela fez pra sumir tão belamente?

A última vez que seus companheiros de universidade a viram, foi numa aula em que se discutia as relações de dever e liberdade, numa perspectiva filosófica. Sim, cursava filosofia. No meio da aula dizem que se levantou, deixando livro e caderno sobre a mesa, saiu. Foi ao banheiro, pensaram. Mas não voltou. Fazia já uma semana que não dava as caras no emprego. Ninguém sabia bem o que fazia lá, mexia com uns bolos de papel, os demais diziam. Uma tarde levantou-se, coisa rara, e saiu. Foi ao banheiro, pensaram. Mas não voltou. Sua mãe lhe via pouco, não porque faltasse tempo, mas sabem como são as televisões, não é? Desde que Iara era menina, a mãe lhe dizia: Vá para o quarto estudar, vá para o quarto estudar, vá para o quarto estudar. Iara estava sempre no quarto estudando, e uma tarde saiu. Foi ao banheiro, sua mãe pensou. Mas não voltou. Soube-se mais tarde que ela realmente passou nos três banheiros, deixando neles esta mensagem:

“Como mora gente no mundo!
Mas muita gente que chora;
Se eu quiser sorrir um pouco,
Na lua também se mora?”

Já procuramos no mundo inteiro, disseram os policiais. Procuraram quem? Ninguém mais lembrava. Dez anos depois um astronauta foi à lua cravar lá a bandeira do seu país, só pra isso. Quando voltou, contou com brilho nos olhos que encontrara uma mulher da terra, que aos saltos flutuantes corria nua pela estrela fria. Disse que ela falava português, e arriscava um inglês precário. Disse também que fez amor com ela, e que ela admitia a existência de São Jorge, mas contava que ele havia perdido o cargo de santo depois de tê-la conhecido. Queria que o astronauta ficasse, mas ele não podia. Preferia voltar e contar pra toda gente uma história incompleta, do que ficar e terminá-la. Arrepende-se muito, e conta essa história chorando. Hoje ele dorme numa casa de loucos, e antes de deitar sempre fala, olhando para o céu:

“Como mora gente no mundo!
Gente morta e insana;
Se eu quiser amar um pouco
Na lua também se ama?”


Biografia:
Assim que sou ingerido pelo organismo poético do outro, vou causando nele meus sintomas, uma vertigem passageira nos olhos, um eco profundo no peito, e um grito que se esvai sem gritar. Porque escrever é quietar-se e quietar ao outro. FACEBOOK: https://www.facebook.com/willians.matos
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