Era meio de um fim de tarde chuvoso quando Sofia pôs os olhos janela a fora, e viu por artifício das coincidências divinas, Hugo passando pela rua vazia puxando uma mala dessas que de quem vai embora por muito, muito tempo.
– Ei Hugo, aonde vai?!
– É difícil dizer… Sei de onde estou saindo, não pra onde vou.
– Posso ir com você?
– Pode ser perigoso!
– Por isso mesmo.
Os dois se conheciam da sala de aula, e não eram muito afiados de conversa, já que a professora Cilda pregava silêncio toda hora, de jeito muito grosseiro. Trocavam umas palavras cá e ali no intervalo, e às vezes nem isso, só bala mesmo, ou pirulito, ou figurinha. Beijo e abraço nunca trocaram, havia muita bala, pirulito e figurinha antes disso acontecer, talvez um dia. Hugo era quieto como era quieta Sofia, mas os dois tinham uma quietude diferente… Não uma quietude cheia de ruído como é a quietude dos adultos, e nem quietude vazia como é a de um monge velho. Tinha música na quietude de Hugo e Sofia, e por mais que nunca tivessem dito, eles se ouviam entre as palavras, balas, pirulitos e figurinhas. Mas do que se ouvirem, gostavam da música um do outro, não assumiam, é claro, e nem estou dizendo com isso que se amavam. Era cedo pra entender dessas coisas (mas sempre entardece, sempre).
Fugiram sem guarda-chuva. Os 36 anos seguintes foram difíceis, como quer que entendam. Mas a música ainda tocava na quietude das aventuras de Hugo e Sofia. Se houve abraço e beijo? Claro! E muita coisa mais, sem nunca deixarem de trocar bala, pirulito e figurinhas, e talvez tenha sido esse o segredo da longevidade das canções de cada um. Já velhinhos, voltaram para a rua de onde partiram, com vista pra janela de onde Sofia morava.
– Você se arrepende de ter me levado? – Perguntou Sofia.
– Não, mas agradeço. Arrepende-se de ter ido?
– Não. Mas agradeço.
E despediram-se.
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