Tem época em que meu corpo dá palavras como se fossem frutos. Não flores, frutos. Em um determinado período dessa mesma época, alguns desses frutos caem sobre uma superfície lisa e com pauta. Por isso, escrever é desgarrar-se.
Uma vez que desperto da longa hibernação do inverno d’alma, e me deparo com tantos frutos desgarrados, dispostos na superfície como em um jogo de búzios, faço então com eles uma rodada de perguntas. Por isso, escrever é consultar-se.
Tendo encontrado todas as respostas que meus frutos poderiam dar, vejo então eles fundirem-se numa solução brilhosa a que chamam poesia. Logo, escrever é alquímico.
Bebo seguidas vezes como que sorvendo a mim mesmo, e na medida em que sinto meu próprio gosto, e meu prazer é maior ou menor com isso, vou afinando o sabor de cada fruto até ficar pleno, porque escrever é deliciar-se.
Quando se está pleno procura-se partilhar a plenitude, por isso ofereço meu licor brilhoso e catártico a quem estiver com sede. Deixo que me cheirem, bebam e cuspam, desse modo, ninguém negará que escrever é amar sem piedade.
Assim que sou ingerido pelo organismo poético do outro, vou causando nele meus sintomas, uma vertigem passageira nos olhos, um eco profundo no peito, e um grito que se esvai sem gritar. Porque escrever é quietar-se e quietar ao outro.
Nada termina, me disseram, as coisas se movimentam e caso estejamos parados, elas se distanciam de nossa visão. Estagnar é ficar cego, movimentar-se é enxergar o mundo. Aquele que me bebe não me reencontra, porque afinal, escrever é isso, ir embora.
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