Será que eu finalmente aprendi? Será que “agora vai”? Eu vou finalmente desistir de tudo que não me representa para ser única e exclusivamente isso? Alguém que escreve. Uma alma buscando compreender e, no processo, escrevendo sobre. Ser isso exige uma coragem que eu subestimei. Hoje vejo meus ídolos como verdadeiros heróis, afinal, eles escolheram. E sua escolha é simplesmente... grandiosa. Escolher esse retiro da alma, essa atividade ingrata, sem espectadores, sem qualquer garantia de sucesso. Nossa! Eram gigantes! Dostoievski, Tolstoi, Hugo, Camus e tantos outros. Faulkner... Faulkner, um gigante entre os gigantes, violando todas as regras da narrativa num gesto de revolta e redenção. Tenho aprendido muito com Faulkner. Nunca havia percebido a dimensão de heroísmo indissociável desse simples ato de escrever. É pegar a contramão do mundo, correr na direção na qual todos insistem que você não deve ir. É um soco na cara do mundo e, ao mesmo tempo, o único golpe que pode ser dado exclusivamente por você. É o local e o tempo em que você finalmente se afirma, ao afirmar para os outros: “esse é o meu caminho”. E é claro, nenhum deles sabia ser um gênio, certo? Apesar das diferentes personalidades, no fundo, no fundo, a minha dúvida era a deles. Pra que? Pra quem? Por que razão escrever? Que resultado advirá desse ato solitário? E a morte, quando ela chegar, não vai me cobrar por essa brincadeira de criança? Não deveria usar meu tempo para fazer o que fazem adultos, sofrendo a tortura diária do suor no rosto? Não é isto ser um homem? Tenho certeza que antes de publicarem seus primeiros livros, enfrentaram essas perguntas incômodas. Mas o gesto heroico, a grandeza neles, foi recusar as respostas alheias, foi acreditar nessa voz que insiste em falar, que insiste em escrever, que insiste em pensar. Deram valor a ela, voltaram-se para ela. O único refúgio de sentido num universo desprovido de explicações. A gratuidade de escrever... nossa! Obrigado, meus amigos. Espero sempre lembrar disso. Espero – e anseio ao mesmo tempo, como Spinoza suspeitava – que dessa vez a ficha tenha caído, que esse seja um conhecimento verdadeiramente adquirido, e não mais um élan efêmero, uma consequência do afeto atual, desse sono vago que me acompanha há alguns anos.
O ano que passou me ensinou algumas coisas. A vida não é uma corrida de cem metros rasos, mas uma maratona. Se eu forçar o passo, meu corpo não aguenta. Eu buscava fazer tudo e ser tudo ao mesmo tempo. Muitas atividades físicas, muitas leituras, muitos projetos, muita atividade mental. Nenhum descanso, nenhum momento para respirar, como se respirar não fosse o essencial. E no meio disso tudo, óbvio, a derrota, o sofrimento, a doença. Até agora ainda estou me recuperando dessa forma absurda de viver. A respiração travada, a dor nas costas, os milhares de livros, tudo acúmulo incoerente de necessidades criadas. Não há possibilidade de seguir a velocidade do mundo. Isto significaria morrer cedo, sem sombra de dúvida. Então o que? Respira. Nada mais há de tão importante. Respira. A vida vai se esvair, a juventude está em curva decrescente. Uma hora tua hora chega, como a de todos. Então porque se deixar levar por esse furacão frenético de desejos, de estímulos, de promessas ilusórias? Agora é tempo de parar e refletir: o que mais importa? O que importa são pequenas coisas: ler com calma, sem pressa; refletir; escrever; praticar, sem exageros, atividades físicas; interagir; tomar um vinho; viajar de vez em quando; não deixar que a mente se ocupe muito de uma idéia; por um freio na multiplicidade de sonhos. Só há um sonho, e você sabe qual é. Buscá-lo. Com paciência e com a tranquilidade de quem sabe que, realizando-o ou não, o corpo perecerá. Toda atividade é inútil e gratuita já que o corpo há de perecer. Ainda assim, há gestos gratuitos que são fardos psicológicos. Por isso, carrega só o teu fardo; abandona o dos outros. Um livro após o outro, uma criação após a outra, até o fim. Não há mais nada, meu caro. Toda pretensão contrária é simplesmente orgulho.
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