TRÊS ANOS DEPOIS...
Depois de algum tempo da morte de Estela, me pergunto por que ainda continuo escrevendo neste diário onde estão as memórias mais belas que tenho dela. Realmente não sei responder á isso.
O certo seria evitar essas páginas, mas ao contrário do que se espera, eu escrevo agora de uma forma mais constante e muitas das vezes que coloco a vírgula, preciso interromper o que estava escrevendo, pelo simples fato de expulsar as lágrimas que me atrapalham a enxergar.
A ferida ainda esta aqui. Não pensem que os anos extinguiu a dor que pulsa dentro de mim, pois nunca deixara de existir. A dor é algo que nós temos que nos acostumar. O resto é consequência.
Luiza é um verdadeiro presente. Embora ás vezes pareça um pouco hostil com Camila, ela é uma menina com uma bondade enorme.
Hoje, no seu aniversário, ela irá ter uma fotógrafa apenas para ela.
Depois de muitas fotos, tiradas de diversos ângulos, Luiza parece cansada. A festinha durou até tarde para uma criança igual a ela, e o cansaço a dominou.
Dormindo profundamente, olho-a com a fixação de um pai. Com o amor de um pai. Seu rosto se suaviza enquanto ela inspira o ar delicadamente e o solta com a promessa de fazê-lo voltar, inspira-lo novamente.
A fotógrafa, Marcela Mar, espera tranquilamente na sala para receber.
É uma estranha mistura que senti agora. Quando a vi na sala tentando ajeitar os braços no casaco e a vendo que se atrapalhou toda, senti uma felicidade diferente. Como se eu pudesse tocar a alegria que se irradiava dela.
Aproxime-me hesitante e coloquei a mão na carteira, e ao abri-la o arrependimento tomou-me por completo.
Estava vazia. Eu havia me esquecido de passar no banco.
Olhei para Marcela de um modo envergonhado.
– Não tirou o dinheiro no banco, né? – Perguntou Marcela tranquilamente, um sorriso desabrochando-se em seu rosto.
– Como sabe? – Perguntei confuso.
– Simples. Você não tem dinheiro na carteira e está todo vermelho. – Ela disse, piorando o meu estado de Envergonhado para Muito Envergonhado.
– Podemos ir ao banco agora? – Perguntei.
– Não é necessário, depois você me paga. – Pediu ela.
– Não seria justo você trabalhar a noite inteira e não receber depois. – Terminei o assunto pegando as chaves do carro.
Fomos para o meu banco tradicional. Saquei o dinheiro e sai tranquilamente do banco acenando para Marcela, sorrindo feito um idiota por algum outro motivo.
Foi rápido o suficiente.
Dois homens armados apareceram de repente me encostando á parede, um apontou a arma para minha cabeça enquanto o outro me revistava á procura de coisas de valor.
Não conseguia ver se Marcela estava tomando alguma atitude, como chamar a polícia ou saltar do carro para gritar por socorro, o que obviamente seria idiotice e extremamente perigoso.
O homem que estava me revistando pegou violentamente o envelope que continha o dinheiro sacado e quando percebeu que eu estava acompanhado por alguém em algum carro
estacionado, disparou com o dinheiro para a rua, deu dois tiros para o alto tentando intimidar os que permaneciam abaixados nos carros.
Um carro apareceu rapidamente para busca-los e os dois homens demoraram meio minuto para entrar no carro que saiu cantando pneu cidade á dentro.
Marcela saiu do carro rapidamente e foi com ansiedade em minha direção.
Assim que o susto passou fomos embora em silêncio.
Quando chegamos á porta do meu apartamento uma ideia veio á mente. Chamá-la para um jantar para agradecer as fotos seria o mínimo que eu poderia fazer. E eu iria fazer isso.
– Quer jantar comigo amanha? – Perguntei, esperando um não.
– O que? – Perguntou ela.
– Quer ir jantar comigo amanha a noite num ótimo restaurante para eu lhe agradecer pelas maravilhosas fotos que você tirou da minha filha? – UFA! Terminei a pergunta numa completa expectativa.
– Vamos – disse ela sorrindo.
Vacilei com sua resposta. Mas ela não me deu chance de me recompor.
– Acho que isso é um ‘’ Até amanha? – Perguntou ela, sorrindo gentilmente.
– Acho que sim... – Eu disse sorrindo também.
Ela mordeu o lábio inferior visivelmente satisfeita com minha resposta.
– Até amanha então – ela disse enquanto virava-se para ir embora.
– Até! – eu respondi.
Não tirávamos os olhos um do outro.
Seus passos eram tão leves, tão lentos que
Marcela tropeçou num lixeiro que estava perto do elevador e corou imediatamente sentindo-se envergonhada pelo tropeção.
– Cuidado – murmurei.
– Eu sei me cuidar, acredite! Pode não parecer mais eu sei. – Disse ela brincando.
Seus olhos perderam-se dos meus até que o elevador se fechou e um sorriso irrompeu por meu rosto fazendo-me perguntar o porquê da felicidade.
Abri a porta e entrei do apartamento ainda sorrindo feito um idiota.
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