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Novas Lembranças - Parte 6 (final)
Embrutecimento; A casa 68 da Rua Domingos Vieira; Praça da Estação
Helena Mafra

Resumo:
Sexta e última parte do livro "Novas Lembranças"

EMBRUTECIMENTO
O Ser Humano está se embrutecendo cada dia mais! Os relacionamentos estão maculados pela indiferença, pelo egoísmo, pelo egocentrismo, pelas defesas muitas vezes fora de lugar ou de erro de alvo. Quanto mais alto o padrão de vida, mais forte e evidente se revelam estas atitudes. No convívio, ainda que raro, vivenciamos tudo isto infelizmente. Mesmo numa família, entre irmãos e seus descendentes, estes tendo absorvido esta miséria social ao longo de suas vidas, de sua educação, da rotina familiar, notam-se, claramente, estas marcas tristes, que impedem um bom relacionamento ou convívio razoável. Por ingenuidade, talvez, ou por uma tentativa de aproximação, tenta-se encontrar em datas importantes pelo menos, vindo logo a decepção que nos abate, nos chateia, nos magoa. Passamos dois, três anos sem encontrar com irmãos, morando todos na mesma cidade, pelo desinteresse uns pelos outros... Velhos, todos somos. Todos acima de sessenta anos. A dificuldade física advinda da idade todos temos, com algumas diferenças de graduação, uns com mais saúde e facilidade de locomoção, por terem carros, e tendo vida com mais conforto sempre, afinal, condições melhores de vida. Mas a disponibilidade, a vontade de procurar um irmão é que não existe. Até que ao morrer algum parente mais próximo, se encontra com um ou outro dos irmãos, no cemitério... A formalidade do ambiente salva muitos de nós, pois não é lugar propício para arroubos de alegria ou de expressões de carinho. Parece até ser o lugar ideal para estes encontros, ficando cada um na sua, como se diz hoje... Um dia destes tive um arroubo de carinho, querendo quebrar ou não pensar, nem dar confiança para o excesso de formalidade da família, me ofereci para almoçar com uma irmã, a qual me relaciono mais, embora pelo telefone, a quem admiro muito. Aliás, admirar é o máximo que se fala na nossa família fechada e formal em excesso. Não nego que tenhamos bons sentimentos uns aos outros. Nem motivo há para o contrário... No entanto, falar ao telefone é uma coisa e nos encontrar é outra coisa... Por que esta necessidade de agredir, mesmo que sutilmente, de criticar com ironia maldosa, ou desclassificar gratuitamente? Azeda qualquer oportunidade de aproximação futura. Ninguém gosta de ser desqualificado injustamente e gratuitamente.
Quando não queremos nos envolver com problemas alheios, mantemo-nos calados, pelo menos, para não ferir susceptibilidade dos outros que já têm problemas de sobra. Para que e por que agredir, criticar ou desqualificar, principalmente quando não conhecemos o grau, nem o teor, nem o montante dos problemas de uma pessoa? A falta de empatia, o desinteresse por uma pessoa, não nos dão o direito de ofender a torto e a direito... Há outras defesas que se usam para nos livrar de quem não gostamos; até o silêncio é melhor. O mundo está muito triste, cheio de maldade, de egoísmo, de necessidade de agredir, numa defesa suja e pobre. Enfim, recolho-me por mais uns anos aos meus bastidores, pois o ambiente fere minha sensibilidade. Nestes casos é melhor a solidão. Brigar comigo mesma não me traz dificuldade, nem mágoa. Eu me defendo pensando e analisando, mudando o que puder ser mudado.



A CASA 68 DA RUA DOMINGOS VIEIRA

Esta casa era logo acima à nossa, no bairro Santa Efigênia. Uma casa enorme, com um quintal idem. Antes de 1950, na parte frontal, havia uma reformadora de sapatos do senhor José do Carmo e, no resto, residia uma família enorme na parte de cima. Embaixo viviam umas três famílias e mais moradores que viviam sozinhos em quartos, cada um no seu. Beirando os anos 50 passaram a residir ali o Coronel Egídio Benício de Abreu, sua mulher D. Lucina e seus filhos, tanto os dois de casamento anterior - Robson( Leãozinho) e Humbertina- mais os do casal: Diosceli, Ivan, Ricardo, Consuelita e Egídio( Egidinho). Como eu já conhecia a Diosceli, todos da família tornaram-se nossos amigos logo,logo... No dia da mudança deles ocorreu um leve incidente, resolvido imediatamente. Talvez por estarem alegres com a nova morada, o filho mais velho do casal, Leãozinho, resolveu mostrar sua força de leão, chegou à janela, abrindo-a todinha, mostrando toda força de seus pulmões, soltou seu grito heróico, parecendo uma canção, só que se achava sem camisa, única parte vista de nossa casa. Meu pai precipitou-se, acho, no sentido de “pôr ordem no galinheiro”, e mandou que se vestisse, pois ali morava uma família de respeito! O rapaz, muito sem graça, fez o que o vizinho ordenava, talvez, por ser acostumado a obedecer ordens, pois este era militar também, como o padrasto. Coitado, na maior inocência, alegre com a mudança, foi reprimido severamente e se calou, saindo da janela. Naquela época as pessoas se vestiam com distinção, recato e, nem dentro de casa se usava vestimenta sumária, constituindo-se falta de respeito até ficar sem camisa. Ó tempora, ó moris!...
O Coronel Egídio, além de outras unidades, foi Comandante do Primeiro Batalhão Militar, em Santa Efigênia, na Praça Floriano Peixoto, próximo onde morávamos.
Era muito bom morarmos ali, ouvindo toda manhã e toda tarde a banda tocar dobrados lindos, após o Hino Nacional, o hastear e arriar da Bandeira Nacional. A meninada do bairro sempre corria à Praça, a ver de perto este espetáculo, sempre acompanhando a tropa, marchando também.
O Coronel Benício era chamado de Comandante Jequitaí. Antes de se mudarem para a rua Domingos Vieira, moraram na cidade Jequitaí, onde lhe deram o apelido. Uma vez vimos um movimento inusitado ao lado de nossa casa. Fomos ver o que se passava e ficamos boquiabertos com a situação. Chegou um caminhão cheio de crianças negras, umas chorando no colo dos pais, outras agarradas à saia da mãe, alguns adolescentes ou quase, entrando todos em casa do Comandante. Foi aquela arruaça danada. Depois ficamos sabendo o que era aquilo. Simplesmente, o Coronel mandou buscar uma família inteira daquela cidade, pois todos estavam passando fome, numa cidade onde campeava a pobreza. Os maiores foram encaminhados para estudo e trabalho pelo Comandante Jequitaí. Ele era assim: exigentíssimo como militar, mas com um coração de manteiga... Ao chegar no Primeiro Batalhão, iniciou limpeza total no recinto, mandando queimar todos os colchões, porque estavam todos apinhados de percevejos. Tomou várias medidas enérgicas, moralizando a instituição.
Numa outra vez, quando não existia ali mais a sapataria do José do Carmo, acolheu, na parte da frente de sua casa, vários fugitivos de guerra: da Itália, da Alemanha, da Hungria, da Checoslováquia e de outros países. Eram rapazes habilidosos, de boa formação intelectual, falavam várias línguas, consertavam máquinas, inclusive instrumentos musicais. As moças do bairro ficaram louquinhas com a rapaziada européia! Diosceli, uma das filhas do Coronel, se casou com um deles, checo, Ladislau Procop e tiveram três ou quatro filhos lindos. Assim, estes estrangeiros foram se casando com brasileiras encantadas e saíram de lá.
Quero, agora, me lembrar de mais uma faceta adorável do Comandante Jequitaí!
Ele resolveu formar um coro de quatro vozes, com o pessoal do bairro. Os primeiros a serem chamados, juntos com alguns de seus filhos, fomos nós lá de casa. Assim fizemos parte do coro um irmão, duas irmãs e eu (Artur, Aulísia, Heloísa e eu). O irmão era dotado de uma voz linda, forte e com registro de baixo, mas com uma particularidade – baixo cantante! Minha voz, também, apresentava particularidade: além de aprender com muita facilidade as melodias, a tessitura de voz era incrível, podendo cantar tanto na primeira voz, como na quarta! Ia do mais grave na voz feminina, como    o mais agudo. O Coronel me punha cantando na voz onde precisasse de mais reforço...
O Coronel era uma pessoa idealista e de uma alma bondosa. Sei que foi ele quem criou a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, apesar de usurparem-lhe este privilégio, adotando um outro criador... Uma vez nosso coro foi se apresentar no Palácio da Liberdade, a convite do então Governador Juscelino Kubitschek de Oliveira. A Semana Santa da Igreja Santa Efigênia era toda cantada por nós, com brilhantismo. Tudo isto, sempre, com o Coronel dedicadíssimo e entusiasmado à frente. Cantávamos a quatro vozes, músicas sacras, músicas clássicas ou eruditas e trechos de músicas líricas.
Aos sábados nos reuníamos em casa de um dos componentes para ouvirmos óperas inteiras, seguindo nos libretos em italiano, alemão ou outra Língua.Uma vez surgiu um senhor francês, compositor, nos apresentou uma ópera composta por ele, inédita, pedindo ao nosso coro que a cantasse. Era sucesso total! A melhor época de minha vida e, acho, também de meus irmãos cantantes, pois nos unimos através da música! Hoje, toco na gaita todas as músicas que nosso coro cantava e mais algumas de que me lembro.


PRAÇA DA ESTAÇÃO
Chegávamos de Diamantina em meados do ano de 1937 minha família e eu... Não foi uma coisa simples como pode parecer... Éramos: meu pai, minha mãe, sete irmãos e eu, ainda, Josefa ou só Zefa como a chamávamos e seu filho Estelito.
O motivo desta mudança: O Senhor Governador de Minas Gerais, Benedito Valadares, fechou todas as “Escolas Normais” do Estado! Nestas Escolas se formavam as chamadas Normalistas, isto é, as professoras dos primeiros anos escolares ou das chamadas Escolas Primárias, hoje, Ensino Fundamental. Só que meu Pai era Diretor da Escola Normal de Diamantina e minha Mãe professora das classes anexas à Escola Normal e nós, filhos, éramos oito!
Viemos de trem-de-ferro, sendo, no total, 12 pessoas chegando do interior para uma capital, Belo Horizonte, completamente nossa desconhecida!
Descemos do trem-de-ferro e seguimos para a frente da Estação, onde esperaríamos meu Pai encontrar condução para todos. É claro que só um Carro de Praça, como eram denominados os Taxis, não cabia tanta gente, além da bagagem...Enquanto isto, dei de cara com uma coisa deslumbrante, estupefata, fiquei paralisada admirando, abobada, a beleza da Praça da Estação! Os canteiros muito floridos, tudo muito bem cuidado, uma maravilha, que nem percebi a chegada de meu Pai com os Carros de Praça. Ele, impaciente, com razão, teve que me puxar pelo braço para acordar daquele deslumbramento. Em silêncio, talvez de cansaço ou medo, partimos, em comboio, para a casa onde moraríamos, no Bairro Lagoinha... Nome da rua: Rua Diamantina!... Ficamos aí por pouco tempo. Meu Pai não gostou da vizinhança; achou-a inconveniente... Fomos morar, depois de uns dois meses, no Bairro dos Funcionários, exatamente na Rua Inconfidentes, numa casa enorme e com um terreirão maravilhoso, com algumas árvores frutíferas, num ponto excelente, mais central. Minha intenção de tudo isto era só a de falar sobre a Praça da Estação, fazendo quase um paralelo entre a Praça de ontem e a de hoje...                                                        
Fiz algumas observações de minha impressão no passado. Depois fui vendo e admirando outras coisas, como a beleza da construção antiga da Estação, vendo, também, os canteiros sempre floridos da Praça! Era um espaço lindo de Belo Horizonte!                                                            
Hoje fico muito triste com o que presencio desta Praça, com modificações drásticas e péssimas, sendo destruído um espaço tão bonito!
É incrível! Mas as igrejas católica e evangélica estão infernizando e enfeiando a Praça da Estação, fazendo dela palco de histerias e muito barulho, gritaria, competindo, infernizando, repito, a vida dos moradores próximos ao local. Pior: com a conivência, com a permissão do péssimo prefeito que temos, infelizmente!...
Morreu aquela bela Praça da Estação que sempre admirei! Era tão bonita! Que pena!
        ---------


Biografia:
Nascida em Diamantina,em 26-02-1931.Iniciei a escola aos seis anos,quando tivemos que nos mudar para Belo Horizonte,eu emeus sete irmãos,meus Pais,dois Educadores,sendo meu Pai Diretor da Escola Normal.Chegando em Belo Horizonte, de trem-de-ferro,éramos 11 pessoas desembarcando na Estação Férrea de BH,isto contando com empregada e um seu filho.Não me aceitaram no Grupo Escolar Barão do Rio Branco(não tinha sete anos ainda).No ano seguinte,já que morávamos na Rua dos Inconfidentes,fui matriculada no Barão.Estudei 1 ano aí,quando dois anos depois nos mudamos para o Barro Preto,passando a estudar nas Classes Anexas da Escola de Aperfeiçoamento Escolar,onde minha Mãe passou a estudar.Era uma Escola com poucos alunos,selecionados por Testes,para servir ao Curso de Aperfeiçoamento de mestras.Cursando o segundo ano aí,mudamo-nos para o Bairro de Santa Efigênia,quando passei a estudar no Grupo Escolar Pedro II.Depois deste Grupo, como eram chamadas as Escolas de primeiro grau.Passei para a Escola Normal,hoje Instituto de Educação, tendo feito aí,também,o Curso de Formação de Professores e,mais tarde, o Curso de Pedagogia, no mesmo lugar.Anos após,fiz o quarto ano de Formação, que era chamado também, de Cursos Adicionais.Anos depois fiz Pedagogia,também no Instituto de Educação.Até aí lecionei em várias Escolas e sempre fazendo outros Cursos de especialização em várias áreas.Lecionei em Belo Horizonte, em algumas escolas, aliás, desde o primeiro ano de Formação já comecei a lecionar numa Escola noturna para adultos...Dei aula também em Araxá, em três Escolas,já casada e com seis filhos, tendo nascido mais uma filha aí.Voltando de Araxá para Belo Horizonte, trabalhei na Secretaria da Educação,depois passei para uma Escola de crianças e adolescentes com dificuldades especiais,logo,logo, tendo feito um Curso Especializado, tendo a matéria Fonoaudiologia, quando me saí muito bem,passei a trabalhar com a Fonoaudiologia.Em 1983,com o reconhecimento da Profissão,além de receber a Carteira Profissional de Fonoaudióloga,emitida pelo Conselho Federal,com Sede no Rio de Janeiro,e fui devidamente nomeada Fonoaudióloga do Estado. Aos cinquenta anos de idade, resolvi fazer o Curso de Direito na Faculdade Milton Campos, onde me formei.Até Curso de Taquigrafia inventei de fazer!Foram muitos outros feitos, com devidos certificados.Estava iniciando o Curso de Direito quando me deu vontade enorme de escrever um livro e o escrevi, durante muitos anos, num trabalho enorme e está guardado sem editar até hoje! Casei-me em 1953, aos vinte e dois anos,fiquei viúva em 1978, com sete filhos. Hoje tenho vinte e um netos, um casal de bisnetos,todos lindos e inteligentes.Aposentei-me do Estado em 1988 e adoro escrever e ler, amo música clássica e lírica e vou vivendo até quando não se sabe...
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