_ Clara você ainda não acordou? Assim vai chegar atrasado na escola!
_ Há mãe tá gostoso aqui debaixo do edredom, se pudesse ficaria aqui até de tarde!
_ É, mas, não pode minha filha, Você tem que ser alguém na vida!
Clara levantou num ímpeto e foi logo escovar os dentes, lanchou e foi para a escola. ]
_ Clara! Vem escrever no quadro o verbo presente cantar e forme uma frase.
A professora se dirigiu a uma das alunas aplicadas da sala. Clara pegou o giz e escreveu:
“Eu canto o hino nacional, porque sou patriota” _ Muito bem! Exclamou a professora Candinha
orgulhosa. Alguns alunos comentaram baixinho “Puxa saco”. A escola ficara uns dois quilômetros
da casa de Clara, alguns colegas da vizinhança lhe fazia companhia.
_ Vamos correr Clarinha!
_ Há não! Se quiser pode ir na frente, estou desanimada pra correr. Respondeu Clara meio cabisbaixo.
_ Eu fico te fazendo companhia Clarinha. Eu não estou com pressa mesmo!
Comentou Paulinho com ar de solidariedade.
Ambos eram da mesma turma da quinta série e tinham exatamente 12 anos. Clara uma menina de pele cor de jambo, um sorriso bonito e um corpo de menina de 16, estilo atleta de vôlei. Paulinho um garoto meio ruivo, um “tampinha” perto dela, um menino de 12 num corpo de 9, mas, jogava um futebol como ninguém. Ambos inteligente, o assunto rendia quando encontravam e os mais tímidos ficavam só ouvindo, de vez em quando pagavam mico ou davam bola fora e aí era só gargalhada de todos os lados.
_ Amanhã tem prova hem! Não vai tirar nota baixa pelos amor de Deus! Alfinetou o Paulinho.
_ Deixa comigo! Vou chegar la em casa, almoçar e debruçar no caderno e no livro, quero tirar de 80% a 100% nesta prova, ou não me chamo Maria Clara Alves de Azevedo. Foi uma risada quase entoada em coro da turma que lhe fazia companhia.
_ Vamos jogar no campinho depois do almoço? Perguntou o Cícero.
_ Cê tá ficando lelé em Ciso? Já viu jogar bola em época de prova! Desaprovou o Guto.
_ É mesmo galera, amanhã vai ser apertado. A melhor coisa a fazer é estudar! Cutucou Mariazinha.
Foram cada qual pra sua casa, se preocupando como seria o outro dia e contavam nos dedos o passar das horas.
_ Clara já escovou os dentes?
_ Já sim mãe. Estou aqui na cozinha fazendo café!
_ Seu pai já foi?
_ Sim. Ele falou que estava atrasado e que iria tomar café na padaria.
_ Este despertador tá um caso sério. Na hora que precisa ele não desperta!
_ O recurso é comprar um celular pra mim. Não da pra confiar neste museu de relógio!
_ Só que o modelo que você quer custa muito caro e o seu pai ainda não teve o aumento esperado!
_ Assim que passar estas provas, vou arrumar um trabalho, para não depender de ninguém!
_ Vai com calma que você ainda é muito nova e tamanho não quer dizer nada. O que manda é a idade!
_ Vou conversar com a professor Diogo, ele da aula de educação física. Conhece um monte de gente, quem sabe não arruma um local para eu treinar. Quero ser jogadora de vólei.
_ Tem que ter muito cuidado. Não é bom ir com sede ao pote. Devemos esperar a oportunidade.
_ A professora Candinha vive dizendo que eu tenho futuro!
_ Eu sei filha. Cada coisa no seu tempo!
Clara foi para a escola pensando numa maneira de dizer para o professor de educação física sobre seus planos. Porém, focava nas matérias de provas, pois, não queria fazer feio. Fez duas provas naquele dia e estavam todos exauridos, reclamando de algumas questões que não haviam nas matérias estudadas e ao mesmo tempo um indaga o outro sobre a questão x ou y.
_ Esta foi fácil!
_ E.... nesta eu acho que dancei!
_ Mas você não estudou Ciso?
_ Eu estudei mas não tinha nada desta pergunta. Respondeu Ciso.
_ Quem mandou você não prestar atenção! Fica no mundo da lua na sala de aula e depois
choramingando pelo leite derramado. Indagou Clara.
_ Hoje você tá qui tá hem!
_ Me desculpe! Estou com a cabeça a mil.
Clara ficou pensativa o dia todo, imaginando como falaria com o professor de educação física, sobre a vontade de treinar vólei. Ajudou a sua mãe nas tarefas do lar, assistiu um pouco de TV e se recolheu cedo, na esperança de que o dia de manhã fosse mais produtivo.
_ Clara, ei Clara, já acordou?
_ Já! Estou colocando o uniforme!
_ Há tá bom! Anda rápido que o café está esfriando!
Saiu do quarto feito um relâmpago e sentou-se à mesa para tomar café.
_ Hoje tem prova?
_ Tem sim mãe!
_ Clara, Ô Clara!
_ Esses seus amigos enche a paciência!
_ Não preocupa não mãe. Eles são gente boa!
_ Tomara. Não desgruda do cê.
Saíram para a escola e todos iam falando ao mesmo tempo, parecia torre de babel. Antes de chegar n portão da escola, Clara já avistou o professor Diogo.
_ Professor... professor Diogo... tem um minutinho pra mim?
_ Está espichando menina, o que anda comendo? Fermento pra bolo?
_ Nada disto! Eu acho que é de família mesmo.
_ O senhor pode me ouvir?
_ Pois não!
_ O senhor é amigo do cara que tem um time de vólei, não é mesmo?
_ Claro! O Luiz Carlos.
_ Pois é. Tem como o senhor me apresentar pra ele?
_ Você não é boba não hem! Tá pensando no futuro.
_ Mas, é claro!
_ Amanhã ele virá aqui no horário da minha aula, pode deixar que eu te chamo.
_ Então, tá!
Clara respirou mais aliviada e agora estava mais feliz. Foi conversando animadamente com os colegas. Chegou em casa, conversou com os pais e ansiosa aguardava o outro dia. Habitualmente fez toda a tarefa de casa, estudou, viu TV e foi dormir. Imaginando como iria ser o dia seguinte.
Mau amanheceu e la estava de pé em frente a penteadeira. Enquanto se arrumava, fazia pose em frente ao espelho e gesticulando dizia:
_ Bom dia! É senhor Luiz Carlos? Sou sim e você quem é.... Eu sou Clara! O que você deseja? Há não! este o que você deseja, não tá soando legal. E continuou o ensaio...
_ Clara, ô Clara anda logo!
_ Já vou mãe!
Saiu o quarto colocando a mochila nas costas e já foi despejando chocolate quente no copo, sentou-se à mesa e tirou dois biscoitos recheados do pacote. Degustou-os como se fosse os últimos e já foi engolindo o chocolate quente.
– Calma, desse jeito você vai engasgar, gulosa! Repreendeu a mãe.
_ Tô com pressa!
Saiu correndo e já encontrara os colegas na esquina.
_ E aí?
_ Beleza!
_ Cê tá mais pra cima hoje!
_ E... tá dando pra perceber?
_ Tá.
_ Hoje vou conversar com o cara do vôlei!
_ Há é!
_ Vou ver se tenho uma chance, pelo menos para treinar!
_ Com esta altura! Só se ele for cego. Balbuciou Mariazinha.
_ Não basta ter altura! Tem que ter talento também. Comentou o Guto.
_ Isto a Clarinha tem de sobra. Risos....!
_ Obrigado Ciso! Você é um grande puxa saco!
Clara chegou à escola, o coração estava a mil e foi pra sala aguardando ser chamada. A professora comentou que haveria uma prova no primeiro horário. A adolescente ficava apreensiva a cada minuto que passava. Olhava as horas desesperadamente.
_ Clara, algum problema?
_ Não professora tudo bem!
Colocou os olhos na prova, observou dinamicamente as questões mais fáceis e iniciou as respostas. Colocou o gabarito do lado e simultaneamente marcava as respostas na prova e no gabarito, a fim de ganhar tempo. Deixar para marcar o gabarito depois, talvez não daria tempo, mesmo que não fazia diferença. Mas, psicologicamente ajudava. Antes de terminar a penúltima questão o professor Diogo abriu a porta, saudou a professora, pediu licença e se dirigiu a Clara:
_ Olha, o Luiz está te aguardando. Assim que terminar você desse!
_ Pode deixar.
_ Não vai correr não! Pode fazer a prova sossegada.
_ Pode deixar.
Terminou a prova, entregou o gabarito, pediu licença a professora e saiu para encontrar com o professor. Foi quase correndo temendo que ele fosse embora.
Viu que o professor de educação física, conversava animadamente com um cara alto, moreno claro, boa pinta e estava trajando uniforme azul, com listras brancas.
_ Olha ela ai. A futura atleta do vólei da grande cidade de Ibirapuera. Brincou o Diogo.
_ Quem dera eu! Respondeu Clara.
_ Muito prazer! Saudou o Luiz Carlos.
_ O prazer é todo meu!
_ Você conhece o ginásio da cidade? O famoso Pinheirão.
_ Não. Só ouvi falar.
_ Você pode comparecer la no sábado?
_ Posso ir com os meus pais?
_ Pode sim. Não tem nenhum problema.
_ Qual é o horário?
_ De preferência de manhã! Por volta das 09:00 h.
_ Pode deixar.
Clara despediu muito feliz e foi embora comentando com os amigos. Chegou em casa e comentou com os pais. Sua mãe reclamou que ela era muito nova, temia a sua infância prematura e ela rindo falou que era um sonho que se realizava. Não via passar logo a quinta e a sexta-feira e que o sábado viesse rápido, a fim de ir ao ginásio. Local do início dos seus sonhos.
_ Vamos pai!
_ Já vou filha! Sua mãe está pronta?
_ Eu já nasci pronta velho.
_ Aqui é a terra do contrário. Comentou sorrindo Clara.
Um amigo estava aguardando do lado de fora, onde estacionou o carro. Tirava uns tragos no cigarro antes de sair com a família.
_ Você não vai fumar dentro do carro não nê Tião?
_ Claro que não! Por isto que tô dando umas baforadas aqui do lado de fora. Resmungou o Tião.
_ Há muito bom! Comentou a mãe de Clara.
Foram para o ginásio e quando chegaram encontraram o Sr. Luiz Carlos dialogando com alguns jovens que estavam treinando. Ele interrompeu a conversa e se dirigiu a adolescente e sua família.
_ Bom dia Clara!
_ Bom dia professor.
_ Estes são os meus pais e este aqui é um amigo que nos trouxe.
_ Muito prazer!
_ O prazer é nosso. Respondeu o pai de Clara.
Conversaram durante um bom tempo sobre o treinamento de Clara, horários e principalmente taxas. Falaram sobre o futuro de Clara e sobre os seus estudos. Destacaram o desenvolvimento e disciplina da mesma na escola. Os pais demonstraram orgulho. O treinador marcou um outro dia para iniciar o treinamento. Clara retornou feliz para a casa e espalhou a notícia para os seus colegas de classe. Seus olhos voltaram a brilhar novamente. Demorou passar a semana e ela não parava de contar os dias e as horas. Chegou o dia de iniciar seu treinamento. Seu pai a levou para o ginásio e foi olhar alguma coisa na cidade, até que passassem as horas. Clara foi se trocar no vestiário, com as demais alunas. O treinador começou a dialogar e repassar alguma informação importante. Durante o treinamento chamou Clara e comentou que a mesma estava indo bem e no ímpeto passou a mão no rosto de Clara e ela se afastou um pouco.
_ Calma só estou limpando o suor.
_ Me desculpe não estou acostumada com isto.
_ Eu que peço perdão pela ousadia.
Encerrando o treinamento, Clara se dirigiu ao vestiário para se trocar e quando ia entrando, o treinador a puxou pelo braço e tacou lhe um beijo e ela assustada recuou e lhe deu um tapa no rosto.
Ele a pegou pelo braço com mais intensidade e Clara comentou que ele estava a machucando. Tentando soltar o braço, ela debateu e começou a gritar. Ele tampou a sua boca, puxou ela contra ele e a violentou. Clara ficou desolada no chão, sem movimento. O treinador saiu às pressas, se esguiando da porta e desconfiado, evitando que alguém notasse a sua saída. Os outros alunos já tinham ido embora e demorou uns dez minutos o pai de Clara chegou. Ele chamou e ela não respondeu. Foi se aproximando mais perto do vestiário e a chamou novamente e ela respondeu com a voz meio chorosa:
_ Estou aqui pai!
_ Porque você está sozinha aí?
Ele entrou e notou que ela havia chorado.
_ O que aconteceu minha filha?
_ Não foi nada não pai.
Foi do ginásio até a casa sem trocar uma palavra. Clara estava sempre de cabeça baixa. O pai ficou arredio e não disse nada, respeitando o silêncio da filha. Chegou em casa e foi correndo para o quarto e se trancou. Sua mãe foi atrás.
_ Clara, Clara, abre aqui pra mim!
_ Agora não mãe!
_ O que aconteceu? Fale comigo!
_ Notou que ela estava soluçando.
_ Se você não abrir eu vou ter que forçar a porta.
Minutos depois ela abre a porta e abraça a mãe fortemente.
_ Há minha filha o que aconteceu?
_ Mãe, o treinador...
_ Mas, o que foi que ele fez/
_ Ele me violentou.
_ O que foi que você disse filha?
_ Foi isto mesmo que a senhora ouviu!
A mãe sai correndo pela casa e vai contar o marido que estava trabalhando no quintal. Ele desesperado chama o vizinho para levar a filha para o hospital e também liga para o distrito policial para formalizar a denúncia. A mãe vai para o pronto socorro com a filha e o pai aguarda a chegada da viatura policial. Demorou uns vinte minutos o pai escuta o veículo estacionando e vai ver. O policial sai do veículo e pergunta:
_ É aqui que reside o senhor Joaquim Soares de Azevedo?
_ É sim sou eu!
_ O que aconteceu?
O senhor Joaquim então conta o ocorrido, os policiais registram e passam as informações para a delegacia da cidade. No pronto socorro Clara e sua mãe aguarda o atendimento. Demora um pouco até que a atendente chama o nome de Clara. Entra a mãe e a filha para o atendimento. Então Clara explica para o médico o que ocorreu. O médico então chama uma colega para realizar os exames. Chega a Dra. Alice que começa os procedimentos, acompanhada atentamente pela mãe. A médica então chama a mãe e cautelosamente comenta.
_ A Sra. Deseja que o exame fica pronto logo?
_ Com certeza! Responde a mãe indignada.
_ Então a Sra. Tem que pagar particular!
_ Fica caro Dra.
_ Não muito.
_ Demora quanto tempo mais ou menos?
_ De três a cinco dias.
_ Então vamos fazer!
A médica encaminha a adolescente e a mãe para o laboratório e la realiza os exames.
Enquanto isso a policia sai em captura do treinador. Vai no ginásio e não o encontra e vai à sua casa, bate à sua porta e aparece uma senhora educada.
_ O Sr. Luiz Carlos por favor!
_ Luiz, Oh Luiz, tem uns policiais te procurando aqui!
O treinador tenta sair pela porta dos fundos, mas, com o barulho os policiais dão a volta e o surpreende pelo outro lado.
_ Mãos ao alto o senhor está preso!
_ Eu não sei do que é que estão falando!
_ Já já o senhor vai saber.
A mãe tenta repreendê-los não acreditando no que está vendo.
_ Seu filho fez uma coisa muito feia!
Na delegacia Luiz Carlos é preso sozinha numa cela, para resguardá-lo. Não quiseram mencionar do que ele era acusado, para não atrapalhar o resultado das investigações e até que o resultado dos exames ficam prontos. Clara e a sua mãe aguardava ansiosas em casa. A adolescente não quis ir à escola, ficava no seu quarto trancada e quase não se alimentava. Seus pais conversavam e diziam preocupados com a filha. Uma orientadora da escola, amiga da família, fez uma visita e ofereceu ajuda. A mãe foi no laboratório e pegou o resultado. Levou a filha para o consultório da médica, que atendia no pronto socorro e tinha um consultório particular. Constataram vestígio no exame e houve confirmação do estupro. A médica encaminhou um relatório para a delegacia, a fim de acrescentar aos laudos. Passou medicamentos e aplicação de vacinas e antibióticos para a adolescente. Marcou acompanhamento com psicólogo e este procedimento levou alguns meses até que Clara voltou a sua convivência com os seus colegas de classe. O professor de educação física pediu mil desculpas, não sabendo das atitudes errôneas do amigo. Se comprometeu a ajudar Clara no que for necessário. Comentou com a adolescente que no ginásio tinha uma treinadora, que agora era mais seguro treinar e pediu que Clara não desistisse do seu sonho. Ficou uma semana pensando, conversava com os pais, pedia conselhos aos colegas. Procurava não se lembrar do ocorrido, apesar de ficar mais reservada quando alguém lhe perguntava alguma coisa. Clara pediu que os pais a levasse ao ginásio. Conversaram com a treinadora, ela sabia do ocorrido, mas, não conhecia Clara. Ela a acolheu maravilhosamente bem, tinha uma maneira alegre de se expressar. Jeito que agradou a adolescente e conquistou sua confiança. Atualmente “Clara” é jogadora profissional em um time brasileiro, é somente um nome fictício, mas, creio que existe um montão de Claras espalhadas por este mundão de meu Deus, com a mesma história. Esta é uma “estória “ inventada baseada em fatos reais. Gostaria que a justiça acontecesse tão rápida quanto esta, por isto, fui tão preciso. Tenho esperança em um mundo melhor, daí a necessidade da perfeição. Que a segurança pública fosse formada por homens de coração e alma, capacitados, corretos e sobretudo eficientes, capazes de solucionar os fatos, para que não caia no esquecimento e que a justiça não seja utopia, mas concretizada. Que a família brasileira tenha paz, que nossos filhos caminhe seguro pelas ruas e que as mortes não ultrapassem as estatísticas dos países que produzem a guerra. A valorização da vida seja a armadura deste povo e que a sociedade aprenda a conviver com as diferenças.
J. CHAVES
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