|
Meu quarto, 29 de julho de 2037
Minha primeira tentativa de suicídio. Falha, visto que escrevo estes vocábulos que sentido nenhum fazem. Não têm finalidade alguma senão de registrar os últimos dias de uma pobre existência ordinária, assim como a de meus alimentadores - é assim que chamo os meus pais biológicos agora - e a de qualquer outro pensando que possa se encontrar no planeta.
Cortei-me os pulsos com uma velha tesoura. O sangue escorreu, hemoglobínio, pelo meu pulso, palma da mão e dedos. A dor, constante e irritante, era suportável já que não era muito intensa e eu tinha uma certa vertigem ao ver aqueles afluentes escarlates fluindo pelas minhas extremidades. Isso já faz dois dias. Perceberam que eu não havia retornado a jarra d'água, talvez, e entraram no quarto para ver o que se passava. Isso Ocorreu em algum momento da tarde do dia 27 de julho. Também presumo que tenham tratado de mim aqui mesmo, meus pulsos estão enfaixados e doloridos. Uma dor que, embora irritante, suportável.
Não consigo me lembrar de mais pormenores do acontecimento, mas, em um momento futuro, escrevê-los-ei caso me venham a mente.
Acho que já sei agora que me cortar não é a melhor forma de atenuar a zero o meu fado existencial.
Durante a noite, que logo chegará, os pensamentos falam alto e durante a madrugada eles gritam. São nesses períodos de longa insônia que os desejos me vêm a tona. Sei eu que sou fraco, então sofrerei até o próximo arrebol sem nada fazer.
Meu quarto, 30 de julho de 2037
Durante os minutos vazios em que fito as paredes, mecanicamente, logo após acordar, dei-me conta da velha tesoura em cima do criado-mudo, próximo a minha cama. Ensanguentada, a tentadora serpente metálica ameaçava cortar-me os pulsos novamente porém desta vez a voz da experiência anterior não me permitiu o assédio. Já sabe-se que meus olhos - frágeis deveras - não simpatizam com minha hemoglobina.
O café da manhã me foi servido na cama e, então, tive a oportunidade de ver as feições dos alimentadores e, ao mesmo tempo, progenitores.
De seus beiços a menos ruidosa sílaba foi ouvida durante a refeição.
Meu pai estava do lado de fora cuidando que eu não escapasse, por mais que fosse inútil a fuga. Precisamente, ele também sabia disso e fazia-o apenas para confortar sua mente, dando ares de sentinela. Foi minha mãe, portanto, quem trouxe a comida ao meu encontro.
A comida costuma ser boa, mas parecia mais saborosa no dia de hoje: Torradas com margarina, café puro e amargo, torradas com geleia de uva e uma fruta qualquer, que não me dei ao esforço de identificá-la. Parecia uma laranja, ou lima, ou mesmo limão. Mais degustado café da manhã até o atual dia, posso dizer sem o mínimo de hesitação.
A senhora observava enquanto eu comia e havia alguma coisa como piedade em seu olhar e postura.
Ao terminar do café da manhã, a bandeja foi recolhida e a escuridão voltou ao meu cômodo assim que a porta foi trancada.
O café estava amargo, as torradas com geleia, doces, as torradas com margarina, salgadas e a fruta, azeda(induzo eu com a imprecisão inata que me foi concedida).
O dia passou neutro, imparcial; a noite suponho que seja silenciosa como as outras que se passaram.
|
