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Gosta de se exibir fazendo o que ninguém mais faz. De um impulso, salta metros e metros no ar. Dá piruetas no céu com um largo sorriso. Não sei se ri assim por deboche, por divertimento, pelos dois motivos ou, talvez, por qualquer outro. Certo é que parece feliz e superior a todos. O pôr-do-sol é seu momento favorito: adora sobrevoar o mar cintilante e, com toda a velocidade, penetrar a cidade e seus inúmeros prédios, uns iluminados, outros já escurecidos pelas sombras. As pessoas que veem aquele corpo dançando como o vento sentem um misto de inveja e admiração. Queriam poder fazer aquilo também, mas retornam a suas vidinhas comuns, e voltam a proceder como procediam ontem e anteontem e trasanteontem.
Porém, lá no alto, aquele corpo leve treme. Ninguém sabe e sua própria mente esconde esse receio. Não se trata de um Ícaro pressagiado. Não é isso. Não é o medo do Sol, mas do chão seco. Tudo se dá pelo descontrole, pois a força, algumas vezes, é tão grande, que a subida não cessa. Só se vê subindo, subindo e subindo. E, como faz um esforço considerável para interromper a ascensão, acaba despencando, como um pássaro atingido por uma arminha de chumbo. Essas falhas lhe trazem angústia. Imagina que nunca mais voltará a voar e que tudo aquilo não passou de uma farsa. “Sou como um qualquer”, pensa. Não é um assunto a ser discutido com quem quer que seja. Quem entenderia? Ninguém mais possui tais habilidades. Supõe que tenha existido alguém assim, mas nunca teve notícias a respeito e já desistiu de procurar.
No fim da cidade, perto da praia, há uma pequena estrutura com quatro colunas dóricas, rodeadas de ramos muito verdes. Lá é que se sente à vontade. Longe de tudo, de todos e até de seu tempo, reflete e tenta se convencer – pois ninguém mais pode fazê-lo – de que voar, uma atitude exclusiva e sem nenhuma utilidade para quaisquer outras pessoas, é tudo o que pode, deseja e deve realizar. No pôr-do-sol seguinte, fará tudo outra vez, com a mesma confiança inaugural de antes, e voará ainda mais preciso pelos ares.
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