Conversar era preciso. Tanto tempo no escritório: eu, o computador e a papelada. Eu digitava. Do outro lado, alguém também digitava. As letras apareciam na tela. Letras frias. Não posso dizer que a comunicação estivesse morta, mas aquilo ainda não era uma conversa. Era preciso conversar.
Conversar, ouvir vozes únicas, perceber os gestos, as ênfases, as hesitações entre uma palavra e outra, interromper e ser interrompido, sentir a vibração que proporciona o som mágico correndo e desaparecendo no ar. Não exagero: a essa altura, qualquer som que saísse ou que entrasse seria mágico. Ah, o quanto isso me fazia falta! Conversar...
Conversar sobre o quê? Ora, sobre qualquer coisa. Que fosse conversa fiada ou papo furado. A necessidade era a de ouvir e produzir sons. Até mesmo um estalido estaria de bom tamanho. Decidi, por fim, aceitar aquele convite que o vizinho sempre me faz quando passa apressadamente por mim: “Aparece lá em casa sábado à tarde. Vamos queimar uma carninha, um queijinho”. Fui. Levei uns pães de alho e uma grade de cerveja para contribuir. O churrasco é sempre comunitário. Isso deixa as pessoas mais à vontade, mais donas do ambiente que ocupam na reunião. Enfim, vamos conversar?
Conversar como? Sentei-me perto das caixas de som e, mesmo que ficasse afastado, de nada adiantaria, pois o espaço era exíguo. Não queria escutar a reprodução de vozes humanas misturadas a pandeiros e cavaquinhos. Esse som, esse estrondo, impedia meus ouvidos de perceber as vozes reais, o aqui e agora, e me impedia também de falar. De qualquer maneira as pessoas não poderiam conversar.
Conversar com o copo na boca ou com aquele barulho não era possível. Gritos, sim, ouvi, mas eram gritos a serviço da manutenção do abastecimento de comida e bebida: “pega a linguiça, “traz as garrafas”, “vai lá comprar mais cerveja”. Os ouvidos se ocuparam de pagode e as bocas, de carne e cerveja. É como se todos estivessem ali, mas, ao mesmo tempo, ninguém. Depois de quatro horas de festa, um bêbado decidiu desligar o aparelho de som. De repente, os presentes se entreolharam. Pensei: “Agora começam a conversar”.
Conversar nada. Compreendi o porquê do pagode e da interminável mastigação. Estavam ali para preencher o vazio das conversas, ou melhor, da falta de conversa. Quando o aparelho foi desligado, foi como se todos se tivessem descoberto nus. O silêncio era terrível e olhar para o outro era insuportável. Tentei puxar assunto, mas foi em vão. Passei quatro horas e meia em um lugar fechado e cheio de gente. Fomos todos embora sem conversar.
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