Estávamos todos juntos na casa que, bem iluminada, enchia-se de risos e de mimos. Nós comemorávamos a chegada de uma nova geração da família. Eram bebês lindos, filhos de nossos filhos, todos prontos a ganhar o mundo. A felicidade tomava a sala-de-jantar. À mesa, cada um de nós encontrava fartura, exceto nossa mãe. Esta, que sempre nos trouxe alegria e carinho, agora destoava das cores vibrantes ao seu redor.
Ninguém percebera, mas ela permanecia apática no canto da sala e, embora tivesse Fome, seu prato era o vazio. Há pouco, ninguém se lembrava, ela estivera em seu Leito-do-doente no quarto Úmido dos fundos, pois sofria de Inanição. Talvez, por isso, ainda tivesse dificuldade de se alimentar ou de sorrir.
Subitamente, nossa mãe se levantou e saiu à rua a correr. Como apenas eu tinha visto isso, fui em seu encalço a fim de trazê-la de volta ao convívio familiar. Fora da luminosidade e do calor da casa, percorríamos, cada vez mais, ruas lúgubres e geladas, em que pessoas famintas e doentes, estiradas no chão, pediam socorro. Mas eu não podia desviar o olhar dela, que corria mais rápido ainda e que, indiferente, não ouvia meus gritos de desespero e de preocupação.
Chegou um momento em que não pude mais acompanhá-la. Minhas pernas cansaram, meu corpo fraquejara. Eu é quem estava doente no chão, clamando e implorando, sem voz, por ajuda em meio aos demais moribundos, pois já não conseguia, também, voltar à casa aconchegante, onde são recebidas as novas criaturas desse mundo.
Restava-me, por fim, contemplar a última imagem que tive de nossa mãe: com os pés férvidos, ela derretia, a cada passo, o caminho gelado que atravessava. Até que, mais veloz, Tropeçou numa pequena Pedra e mergulhou de vez na escuridão total.
|