A CASA DE LOLA PAVÃO
PELA BAHIA
Era estranho e incomum, ver aquela mulher de longos cabelos negros, tez macia como uma pétala de rosa e cintura delgada, empunhando aquele grosso e mal cheiroso charuto, e dele, prazeirosamente, arrancando compridas baforadas. Lola, este era o seu nome, Lola Pavão, assim ficou conhecida em toda a cidade de Jequié.
Vaidosa, bonita e desbocada, era a dona da casa número cinquenta e dois da rua do Maracujá, na zona de prostituíção .
Instalou-se ali no ano de 1950, sem um único tostão, munida apenas de sua cara bonita , muita determinação e um caminhão de coragem na bagagem de poucas coisas.
Sem pestanejar , jogou na compra da casa da Rua do Maracujá , todo o dinheiro que conseguiu arrecadar após a morte de seu pai; velho fazendeiro, mulherengo e arruinado. Vendeu o pouco que por milagre ainda lhe restara, e com o dinheiro arrecadado, pagou os mais insistentes credores de seu finado pai , que como urubus esvoaçando sobre carniça, não lhe deram um só momento de paz. Ás dezenas apareciam para cobrar e ela compreendeu que caso ficasse na velha cidadezinha pagando a quem chegava citando alguma divida esquecida pelo velho fazendeiro arruinado, ficaria sem um único tostão,Foi assim que planejou uma estratégica escapada, e em uma escolhida madrugada fugiu sem nem mesmo olhar para trás
Sem destino traçado, rumou para Jequié, ficaria a mais de cem quilometros da cidade aonde havia nascido e sido criada, portanto bem longe dos esfomeados credores de seu perdulário pai .
Indagando daqui e dali , chegou a conclusão que montar uma casa na zona do meretrício , era um bom negócio, bem melhor do que plantar e criar gado. Afinal, desde seus quatorze anos, quando passava suas tardes dentro do velho galpão atarracada com o filho mais velho de seu Aurélio, que por ordem de seu pai, vinha para lhe reforçar as aulas de português , que acreditava ser o sexo , a melhor sensação deste mundo
Como se conhecia de sobra, acreditou na força da carne e não pestanejou para principiar seu negócio, e , em muito pouco tempo sua casa estava na moda entre os homens , era uma das mais frequentada e também a mais citada nas rodas masculinas.
E foi assim, que num dia de chuva grossa e intermitente, de muita lama na rua , e nenhum movimento na cidade, que fechou negócio com Domingos, o motorista sarará que, em determinado momento de sua vida, resolvera cafetinar mulheres, mas, por falta de tino comercial e muita fome pelo sexo oposto , não se deu bem . E então, doido para se estabelecer em São Paula, lugar de boa fama e sonho de todo baiano com pretensão a ganhar carradas de dinheiro. Então Domingos, não discutiu muito, com a firme convicçao de que venceria em São Paulo, vendeu sua casa pela minguada oferta dela, que na verdade , era a metade do que ele estava pedindo.
E assim que Domingos retirou seus pertences de uso pessoal de dentro da casa, e partiu com a certeza que seu anseio de ficar rico, em São Paulo seria realizado, Lola,sem um único tostão , mas embuida de uma vontade férrea de conduzir o seu próprio destino, abriu a mala de pequeno porte, único objeto trazido por ela em sua fuga, e da mesma tirou uma pequena caixa de madeira, e de dentro da mesma retirou um charuto. Mordeu uma das pontas, cuspiu o pedaço que ficara em sua boca por sobre o ombro e procurou por entre as roupas bem dobradas a caixa de fósforos, com o charuto entre os lábios riscou o palito na parte áspera e escura da pequena caixa e o acendeu, o primeiro não cumpriiu sua tarefa, apagou-se logo,mas na segunda tentativa, soltou com satisfação a fumaça fedorenta no ar. Fechou a mala,encostou –a na parede e ensaiou alguns passos sem saber o rumo que tomaria, a casa era grande e para onde olhasse veria portas e corredores. Preferiu ficar na sala aonde estava, era de bom tamanho e no canto esquerdo dela, estava um balcão , por trás dele, algumas prateleiras entulhadas de garrafas vazias, forradas com papel de seda, cortados com bicos irregulares e círculos vazados, todos verdes no mesmo tom das portas e janelas. Em seu papel de reconhecimento do local, vizualizou na parede caiada de branco, uma gravura aonde Jesus Cristo , em um local ermo, ajoelhado e encostado em uma grande pedra, com as mãos postas, fita o espaço, sobre seu rosto, vindo do céu, um grande facho de luz. Girou a cabeça e constatou que nas outras três paredes, além das gravuras condizentes com o local, havia mais quadros religiosos, e assim numa miscelania contraditória , enquanto Cristo orava nos montes das oliveiras, na parede defronte a ele, uma mulher de costa com a saia suspensa,mostrava a opulência de suas nadegas muito branca. Eram diversas as gravuras obscenas e no meio delas algumas mostrando Cristo e sua sagrada família .
Lola caminhou pelos corredores e foi abrindo as portas dos pequenos quartos, aonde a mobília consistia em uma cama de solteiro,quase todas patentes, e uma mesinha ao lado, em algumas delas havia um copo com água e dentro do mesmo uma flor murcha ou ressecada, que explicava a ausência de freqüentador no abandonado ambiente.
Nos dois primeiros dias, ficou sozinha, dentro da casa de muitos cômodos . A chuva torrencial, caia sem parar , e ela, depois de alimentar-se com a farinha , o requeijão e a rapadura que trouxera dentro da mala,juntamente com sua roupa e charutos, dirigiu –se para uma das largas janelas verde, que dava frente para a rua. Completamente absorta, observou que Jequié, a cidade sempre ensolarada, estava se transformando em um grande e visguento lamaçal . Não se podia caminhar sem afundar um palmo de perna dentro do barro escuro e colante.
Na verdade já chovia há três dias, e, a cidade em peso, estava assustada e apreensiva. O medo e a angustia estava estampado no rosto de cada cidadão, especialmente aqueles mais idosos,que passaram pelas agruras da enchente de 1914.
Com tanta água vinda do céu, o encantado Rio das Contas, estava em uma de suas cheias, e em tempo de cheia, deixava de ser o que era de costume, suas águas mansas e corredeiras, domicílio de piabas, traíras , durinhos e outros se transformava em um rio zangado, mal humorado e assassino. As águas corredeiras , mansa e cristalinas, ficavam espumantes,onduladas ,barrentas , e consigo arrastava furiosamente tudo que estivesse em seu alcance . Era o grande e indesejado ,assustador espetáculo da cheia.
A certa hora do dia, quando a chuva intermitente, dava uma rápida trégua e estiava um pouquinho, o pessoal mais curioso e desocupado, ia para a beira dos barrancos , assistir, abismados e até horrorizados, a passagem das águas que consigo arrastava : bois, cavalos, arvores de grande porte , cachorros e... até mesmo gente. Era um verdadeiro e dantesco momento, e para quem já presenciou, um assustador e inesquecível espetáculo!
O medo da grande maioria, era que ele invadisse a cidade, como já havia acontecido no ano de mil novecentos e quatorze .
Debruçada na janela , expelindo a fumaça de seu charuto para fora e divertindo-se com os formatos que tomava, Lola, sem atinar com o drama vivido pela cidade e seus cidadãos , viu Anastácia , a primeira mulher a trabalhar em seu bordel, chegar .
Ela, recebendo sobre si a água que caia continuadamente, olhou o número da casa e conferiu no papel molhado e já rasgado que trazia na mão. Num gesto que denotava satisfação , como se dissesse : - Acertei! - apertou de encontro ao peito a trouxinha que carregava consigo, e molhada até os ossos, gritou :
- Ó de casa ! – debruçada no parapeito da janela, fumando seu habitual charuto , Lola, que apesar de estar próxima, não havia sido vista por Anastácia, jogou no ar, uma comprida baforada e simplesmente disse:
- Apôis...
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Uma semana depois , a chuva tinha estiado de vez, e num dia , que o mormaço habitual e o sol escaldante, imperava na cidade de Jequié, Ofélia, desconfiada e arisca, fez sua entrada na casa de Lola. Não veio de longe, era da vizinhança, já conhecia com maestria todas as ruas que compunha o núcleo da zona do meretrício da cidade de Jequié. Por ser de natureza medrosa e assustada, caiu em desgraça, e foi escorraçada, do bordel aonde vivia por uma colega declaradamente arruaceira e metida a valente. Saiu sem direito sequer de carregar os seus poucos pertences. A valentona atrevida, acintosamente apossou-se deles. Apontou o dedo na cara de Ofélia que tremendo feito uma geleia ,limitou-se apenas a murmurar :
- Sim senhora...não senhora
E de cara fechada , a valentona foi taxativa ao dizer :
-Se tu não escafeder ainda hoje , eu, pessoalmente me encarrego de marcar com minhas unhas , essa tua cara de lambisgóia disfarçada de gente!!!. - Gaguejando um “sim senhora “, que mal saiu por inteiro, a assustada Ofélia , sem sequer olhar para trás, bateu em retirada em busca de um novo lugar aonde venderia prazer, era a única coisa que em defenitivo sabia fazer. Foi o que lhe disse o namoradinho que a deixou na praça Ruy Barbosa, depois de uma complicada fuga .
A fuga dos namorados adolescente acabou mal, mas ela extremamente medrosa não teve coragem de voltar para casa, o medo que sentia dos irmãos mais velhos, era maior que o medo das necessidades, e assim foi que quando alguém lhe contou da existência das casas de prostituíção na rua do Maracujá, resolveu se aventurar,mas, por ser rigorosamente medrosa e covarde, era explorada e intimidada pelas colegas, que de uma forma ou de outra sempre tiravam algum proveito do extremado medo sentido por ela.
Chegou a casa de Lola apenas com a roupa do corpo e uma tremedeira que custou muitos copos de água com açucar.
E foi na casa de Lola Pavão, que Ofélia conheceu alguém que impressionado com tanta covardia, aproximou-se dela , a principio era somente uma grande curiosidade,mas que a partir do primeiro contato que tiveram quedou –se irremediavelmente apaixonado, e então tornou-se o seu protetor, e a partir dali nunca mais alguém ousou desafiar ou intimidar a medrosa Ofélia , que jamais deixou de ser a covarde que sempre fora, era somente uma medrosa, protegida por Terno Branco, o maior e mais temido pistoleiro da cidade. E, entre os dois, com o passar do tempo, o chamego foi se acentuando.
E no dia seguinte, á chegada de Ofélia, chegaram Leonor e Lucinha , coincidêntemente , também escorraçadas , isto por conta de uma das diabruras cometida por Leonor, contumaz amiga do alheio .Qualquer coisa que ficasse ao seu alcance, era devidamente surrupiado. Jamais resistia a algum objeto ao alcance de sua mão, assim, por conta de seu mal hábito, pela vida, ia colecionando divertidas e não divertidas encrencas:
Estavam as duas de passagem por Itaquara, como ali no fim da linha, descobriram que o dinheiro, usado sem nenhuma parcimônia por qualquer uma das duas, havia acabado, concluiram que precisavam reabastecer a bolsa e só conheciam um jeito , a velha e antiguíssima forma . Então resolveram que ficariam em Itaquara até colocar dentro do seio uma quantia que lhes permitisse continuar a divertida e descontraída viagem .
Sem um único tostão,sequer para pagar uma pousada, convenceram o velho Emiliano lhes ceder a velha choupana da beira do riacho, evidente que para merecer o favor, ambas precisaram passar com ele uma tarde inteira , mostrando ao esperto proprietário, de que forma elas ganhavam a vida . Ainda na noite desse dia, Leonor e Lucinha, chegaram a desanimadora conclusão que os maridos Itaquarenses, estavam satisfeitos com o que tinham em casa, eram exageradamente pacatos e ... fiéis . Nem mesmo a ousadia da flor no cabelo e dos generosos decotes , de forma nenhuma usados na localidade conseguiram estimular os apagados Itaquarenses.
E por este motivo, naquela noite, Lucinha não tomou nenhuma bebedeira na intenção de alguém, como era de seu feitio, tampouco se apaixonou perdidamente, como costumava. Era hábito seu apaixonar-se pelo primeiro que lhe pagasse uma bebida. E na Itaquara afastada e pacata, ela sentiu falta dos lugares por onde tinha andado, contudo, dali , mesmo que quisesse , não poderia escapar , pelo menos por enquanto, ambas, não tinham dinheiro nenhum, nem mesmo para pagar a marinete, que afinal , não custava tanto.
E assim foram ficando, até o dia que Leonor , atraída pela saia colorida de bulgariana, estendida no varal da casa de seu Ariano, resolveu tomá-la para sí, e tão descontraída era, que sem qualquer constrangimento, ou preocupação, a vestiu e com ela foi a pequena feira local. Foi quando dona Carmelita, a enfezada mulher de seu Ariano, reconheceu no corpo da rameira descontraída , a sua saia há alguns dias sumida. Botou a boca no mundo e munida de sua inseparável sombrinha, também colorida , pulou para cima de Leonor e Lucinha, e tomada por uma incrível disposição de bater, distribuiu pancadas a torto e direito. Foi preciso que seu Ariano e outros Itaquarenses acudissem as duas espancadas raparigas e urgentemente as tirasse dali. Chorosas e razoavelmente machucadas, foram botadas dentro da marinete que já ia partir.
Seu Ariano, homem pacato e inimigo de confusão, assustado com a súbita furia de sua enfezada esposa , enfiou a mão no bolso da calça e contou os tostões para a passagem das damas agredidas e não desejadas.
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Dentro do veículo , cheia de marcas roxas e arranhões que já começavam a arder, Lucinha comentou chorosa :
-Mas que diabo Leonor!....precisava roubar a peste da saia da velha ? E ainda por cima, ir a feira vestida com ela ?
Entre os soluços que lhe chacoalhava o corpo saudável e bonito,mas agora bastante arranhado e até mordido, é claro, pela zangada dona Carmelita , Leonor apressou-se em responder :
- E como é que eu ia adivinhar que a porra da velha ia a feira ?
E foi dessa maneira, que sem qualquer planejamento, foram as duas parar em Jequié. E, da rodoviária á casa de Lola Pavão , foi um pulo. A recepeção foi outra, sentiram de imediato que os homens de Jequié pensavam com duas cabeças, o que para elas, era formidável . Muito mais animados , inclusive, não faltou quem as levasse para a rua do Maracujá, onde, por sorte, a casa indicada, foi exatamente a de Lola Pavão, que por sinal, já dava mostra de boa frequência e provável prosperidade
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Assim foi que Lola, formou sua pequena mas competente equipe. Além de Leonor, Lucinha, Ofélia e Anastácia, outras moças entraram, algumas se foram, mas a maioria ficou, e a casa de Lola Pavão que já era a mais frequentada, em pouco tempo já estava toda mobiliada. fazia ela, questão do melhor, gostava do que era bom, apreciava e compreendia o que era bonito. Suas mulheres a qualquer hora do dia, estavam pintadas, perfumadas e vestidas com apurado esmero. Como era extremamente vaidosa, fazia absoluta questão que suas meninas lhes seguissem os passos, o que dava excelentes resultados. muito depressa sua casa pegou boa fama e ela também, foi então que passou a ser chamada de Lola Pavão e de forma nenhuma se mortificou com o apelido recebido, ao contrário ,adotou-o como se o tivesse recebido na pia batismal, e quando alguém , mais curioso, queria saber o seu nome por inteiro, ela fechava os olhos de fartos e negros cílios e mais faceira que todas , soltando no ar a fumaça de seu fedorento charuto, respondia :
-Eu me chamo Lola , Lola Pavão, pra que mais ?
shirley de queiroz
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