Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
A MORTE DO RIO DAS CONTAS
shirley de queiroz

Resumo:
Estrondoso, furioso e impiedoso, vinha de margem a margem e vinha carregando consigo, tudo o que encontrava pela frente.Sua água, antes límpida e transparente, era agora barrenta e espumante. Barulhento, intempestuoso e agressivo, ele roncava e as vezes, nitidamente gemia.

A MORTE DO RIO DAS CONTAS

                                                                  PELA BAHIA

Meados   de junho, um calor sufocante e insuportável, judiava sem dó nem piedade, dos Jequieenses . As pessoas, atemorizadas com a força do sol que o dia inteiro rachava mamonas, só saiam para a rua, á noite, quando   a temperatura inclemente, baixava um pouco. Indubitavelmente o Rio das Contas , onde antes pequenas embarcações, por ele navegavam, fazendo o transporte do hortifrutigranjeiros, por conta da grande e impiedosa seca,   agonizava. Agora, com seu leito noventa   por cento   seco, apenas um fio d’água descendo preguiçosamente, leito abaixo, estava   transformado   em poleiro de vagabundos urubus , que gingando pra lá e pra cá , e bicando uns aos outros,andavam em busca de   prováveis carniças, restos dos animais    mortos pela fome inclemente
Elisa, a viúva de Eleotero, depois de mais alguns boatos sobre crianças,encontradas sem uma gota de sangue no corpo, mandou novamente refazer o túmulo de seu inconformado, rebelde, e morto marido.
Á noite, nas ruas, as pessoas que tinham por costume botar seus banquinhos para fora e que nas calçadas , proseavam até a chegada da imperiosa hora   do sono , agora,   só abordavam um assunto:   a seca, e, em pouco tempo, á boca pequena, correu um boato que o finado Eleotero, era o grande culpado pela situação. Falavam a respeito   e   em seguida temerosos , se benziam, ou mesmo batiam na própria   boca , se auto- castigando por mencionarem o maldito nome.
                                   ************
Nesta noite, Enedina se mostrou ansiosa   e inquieta, já a tarde fizera comentários a respeito da chuva que estava    para chegar . Madalena, sua patroa, debochada riu de suas previsões e contestou com a firmeza dos céticos:
-Vai chover coisa nenhuma, quem   te disse que em Jequié, nuvem negra é sinal de chuva ? Pra teu governo, lá para os lado do Mandacaru, faz mais de uma semana que estão   escuras, negras,   carregadas!
Enedina, rosto gasto pelo tempo, olhar voltado para o céu, cenho franzido, e a boca apertada, na expectativa, olhou pela janela, mordeu o lábio inferior,como era de costume   e, com a certeza dos que de fato sabem, respondeu á patroa incrédula :
- São nuvens pesadas, da pra ver.. To sentindo que é chuva,sim... E espia que pra bem da verdade, é chuva da grossa ...chuva braba ,   que vem por aí. E espia direitinho o que to dizendo: não   passa de hoje ! Vai ser um aguaceiro medonho!!!Aguaceiro dos grandes... – benzeu-se e continuou: - com a graça de Deus, o Rio das Contas, vai nascer de novo! Do jeito que tá   é uma judiação, o pobre, ta mais morto do que vivo.
Madalena, diante de uma grande mesa, no centro de uma sala espaçosa e   de pouca mobília , desmontava e limpava algumas armas. Empenhada no que fazia, sequer fitava a velha e arengueira empregada, que encostada na janela estreita e comprida, olhava para o céu com a insistência dos aflitos... e a certeza dos sábios. Sem se dar conta, torcia sistematicamente a ponta do aventalzinho de mescla azul . Completamente alheia, mas concentrada no que fazia, Madalena que experimentava o cão de um revolver, quase com descaso, resmungou automaticamente :
-Deus te ouça...
E a noite, quando o primeiro   relâmpago cortou o céu, Enedina, correu para a sala aonde Madalena, sozinha, e absorta, jogava paciência. E, com o olhar brilhante de felicidade,   atropelando as próprias palavras , exclamou ;
-Eu não disse que não passava de hoje ? Ó paí, ó , tá   relampeando !
De fato, as nuvens eram pesadas e ameaçadoras, deixava assustado e de coração fechado, quem para elas olhasse. Por outro lado, era a tão pedida e desejada chuva que ia chegar , que molharia o chão recoberto com palmos de poeira e gretado pela seca mais rigorosa que qualquer outra. E a maioria, apreensiva e com o coração aos pulos,   se preparava para condignamente, recebe –la
Após o sexto minuto do primeiro sinal da chuva, na rua já não se via, viva alma . Cachorros, escondidos, uivavam dolorosamente e ganiam sem parar Até mesmo os gatos, ouriçados e de olhos arregalados, recolhidos,em algum canto,observavam á sua volta , atentos aguardavam a chuva, que a qualquer momento poderia começar. O céu escuro, e ameaçador, era continuadamente cortado pelo brilho dourado dos relâmpagos assustadores.
Enfurecido barulhento e determinado, o vento, em sua sanha irascível,   arrastava papeis, folhas e galhos, formando redemoinhos   assustadores. Furioso e incontralado, chicoteava as árvores que tendo   suas copas    duramente fustigadas, gemiam sem parar e apavorava as crianças, já guardadas dentro de suas casas. Algumas agarradas as saias de suas mães, choravam assustadas . Os trovões , com uma força jamais vista, ou conhecida, pareciam Deus, os acusando pôr alguma    falta muito, muito,muito grave.
O ponteiro do relógio cuco, ao lado da janela comprida e estreita na sala de jantar da casa de Madalena, cravou meia noite, e neste exato instante, os primeiros pingos da chuva molharam a terra seca e sedenta de Jequié. E neste instante, um som abafado, estranho e grandioso, foi   ouvido por todos. Enedina, que ao   lado da patroa aguardava os acontecimentos, arregalou os olhos   temerosa e indagou:
-Ouviu isso ?
Madalena botou de lado o baralho com que brincava e assentiu:
-Sim....ouvi sim, deve ter sido um trovão que não deu certo...
O olhar de Enedina, marejado pelo medo, cravou na figura   da patroa, balançou a cabeça desacorçoada e amedrontada pediu:
- Dona   Madalena, pelo amor de Deus , por favor eu lhe peço, não brinque com essas coisas! Eu ouvi direitinho, foi a terra ! Eu tenho certeza, isso não veio do céu, veio daqui de baixo, ó!... Veio da terra,   que por certo, está agradecendo a chuva que vai cair....ou....- calou-se por um instante, correu o olhar amedrontado pela espaçosa sala, engoliu seco e tentou continuar, mas estava travada :
- ou...
-Ou.,... – repetiu Madalena com o olhar cravado nela, aguardando que prosseguisse. A velha empregada engoliu seco de novo , fechou os olhos e de uma só vez , quase gritando, despejou :
- Ou ta expulsando dela, alguma coisa que não quer... –Parou , tomou fôlego e alguns segundos depois continuou : - quem sabe algum    morto indesejado?....Quem é que sabe?...
Madalena riu, balançou a cabeça contestando. Trocou uma carta do baralho por outra e bem humorada   retrucou sem olhar   para Enedina :
-Viu ? E é por estas e outras, que eu amo este sertão de Jequié... Não é por nada não, mas esta é uma cidade encantada, aqui da de tudo!...E é   pôr isso que... - fitou Enedina          zombeteiramente e desafinada cantarolou :
-Daqui não saio, daqui ninguém me tira !
E durante uma semana inteira , o céu continuou mandando água, ora mais fraca, ora mais forte, sem parar.   E tudo virou um lameiro só, eram poucas as ruas pavimentadas, e os que antes sofriam pela seca ,   agora, reclamavam do excesso de água. Houve até quem dissesse cheio de medo , que a culpa     do aguaceiro que vinha do céu e que ensopava Jequié inteira, era a música “ Tomara que chova “ que era o sucesso da época.
E Jequié, que angustiado quase viu morrer o seu encantado Rio das Contas, agora para alegria dos filhos da terra, o tinha de volta.
Mas, no fim de seis dias, algumas pessoas curiosas e apreensivas,corriam para a ponte,outras para os barrancos, a intenção era ver de perto o dantesco espetáculo das águas. Ele, que há alguns dias atrás era apenas e tão somente um triste e agonizante fio de água, tomava agora um novo aspecto :   Estrondoso, furioso e impiedoso, vinha de margem a margem e vinha carregando consigo, tudo o que encontrava pela frente.Sua água,    antes límpida e transparente, era   agora   barrenta e espumante. Barulhento, intempestuoso e agressivo, ele roncava e as vezes, nitidamente gemia.
Na força de sua fenomenal correnteza, arrastava grandes arvores , animais    mortos, móveis e até casas que vinham inteiras boiando espetacularmente nas águas   bravas e barrentas.
Júlia, com o seu melhor   vestido, penteada e ligeiramente assustada, não arredava os pés dos fundos de sua casa, de onde, torcendo   as mãos nervosamente, presenciava tudo. Em seu íntimo uma pergunta não abandonava sua cabecinha confusa :
                             -Estaria o Rio das Contas, voltando   a ser o de sempre ?

                                                                                              SHIRLEY DE QUEIROZ


Biografia:
Shirley de Queiroz, nasceu na ensolarada Jequié-Bahia no dia 05-10-1943.É autora de Unidos na Solidão, Sala de Aula, Confissões de uma Pomba-Gira, Adelaide Carraro no Mundo Cão de Silvio Santos, e autora de muitos contos,que escreveu para revistas de circulação nacional. Tem um novo livro para ser lançado,que ja está sob avaliação de algumas editoras, chamado : - Minha Incrivel Passagem pela Cadeia.
Número de vezes que este texto foi lido: 52821


Outros títulos do mesmo autor

Contos A MORTE DO RIO DAS CONTAS shirley de queiroz
Contos ELEOTERO, O MORTO INCONFORMADO shirley de queiroz
Poesias QUEM COM FERRO FERE... shirley de queiroz
Contos NOS BRAÇOS DA MORTE shirley de queiroz
Contos DOIS PSICOPATAS shirley de queiroz
Contos QUEM DIRIA !!??? shirley de queiroz
Contos A CASA DE LOLA PAVÃO shirley de queiroz


Publicações de número 1 até 7 de um total de 7.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
JASMIM - evandro baptista de araujo 69006 Visitas
ANOITECIMENTOS - Edmir Carvalho 57916 Visitas
Contraportada de la novela Obscuro sueño de Jesús - udonge 56755 Visitas
Camden: O Avivamento Que Mudou O Movimento Evangélico - Eliel dos santos silva 55828 Visitas
URBE - Darwin Ferraretto 55097 Visitas
Entrevista com Larissa Gomes – autora de Cidadolls - Caliel Alves dos Santos 55043 Visitas
Caçando demónios por aí - Caliel Alves dos Santos 54932 Visitas
Sobrenatural: A Vida de William Branham - Owen Jorgensen 54883 Visitas
ENCONTRO DE ALMAS GENTIS - Eliana da Silva 54805 Visitas
Coisas - Rogério Freitas 54790 Visitas

Páginas: Próxima Última