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São os Loucos Anos 20 - Parte IV
Capítulo 4
Fernanda Rodrigues

Nina deixou o Parque Ângela para trás e com passos apressados dirigiu-se para a casa onde passou o resto do dia perdida em seus pensamentos. Não sabia se o que tinha acontecido naquela manhã era real ou se era uma peça que sua mente tentava lhe pregar, talvez seu inconsciente revivendo aquela experiência de quando ela era apenas uma menina, afinal, apesar de não se lembrar de como tinha se sentido depois de ser encontrada pela babá, sabia que para uma garotinha de cinco anos aquela poderia ter sido uma experiência traumatizante, mas quanto mais pensava no assunto, mais confusa se sentia.

Durante todo aquele dia, nada lhe pareceu bom. Reclamou do suco de laranja que uma das criadas lhe serviu no jardim assim que ela voltou para casa, reclamou do tempero no almoço e desistiu de jantar quando percebeu que o problema era ela e a lembrança daqueles olhos que pareciam ainda observá-la.

Os pais logo perceberam que havia algo de estranho e se apressaram em culpar Inácio pelo mau humor da filha, afinal ele tinha se retirado para a capital a fim de tratar de assuntos de seu interesse apenas um dia após a festa de noivado. Tentando melhorar o humor da filha a mãe sugeriu que naquela noite fossem todos ao teatro. Nina, mesmo sem o entusiasmo que sempre demonstrava em tais ocasiões, aceitou o convite pensando que, sendo o teatro uma de suas paixões, poderia ser uma forma de libertar sua mente da visão daqueles olhos que insistia e não deixá-la em paz.

A presença da família Garrilha em qualquer evento social sempre causava euforia. Naquela noite não foi diferente. Chegaram ao teatro municipal no Rolls Royce negro da família, com seus bancos de couro cor creme e que era reservado para as ocasiões especiais quando era polido até brilhar e era guiado por um motorista vestindo um impecavelmente uniforme azul escuro.

O patriarca trajava um smoking feito sob medida, as abotoaduras eram de ouro e exibia um de seus magníficos relógios no pulso, peça que fazia parte de sua coleção lendária. Sua bela e esguia esposa vestia-se como uma rainha, seus cabelos louros e sedosos emolduravam o rosto fino e anguloso enquanto sobre o busto resplendente descansava um colar de finas pedras preciosas e, ofuscando a todos, Nina.

Naquela noite Nina usou um vestido vermelho tipo sereia que acentuava com delicadeza e elegância as belas curvas de seu corpo, os ombros brancos à mostra estavam protegidos por uma echarpe de pele castanha. Brincos delicados e um colar discreto permitiam que o destaque ficasse por conta do enorme diamante preso à aliança que evolvia seu anular. Mais uma vez ela estava perfeita, mais uma vez ela seria o centro de toda a atenção e despertaria a inveja das moças e o desejo dos homens que, após o seu noivado, estaria ainda mais aguçado.

Apesar dos pensamentos que a torturaram durante o dia, Nina desfrutou cada minuto da noite, desde a escolha do vestido, das joias, do sapato, a arrumação do cabelo, a chegada em grande estilo, os olhares e murmúrios que a acompanharam enquanto se dirigia ao camarote da família.

O espetáculo esplêndido a levou para longe e a fez viver, por algumas horas, aquela outra vida que era representada no palco, riu e se emocionou até que os aplausos e gritos de “bravo” trouxeram-na de volta à realidade. Enquanto descia a escadaria de mármore de braços dados com o pai e a multidão abria caminho para sua família passar sentiu a felicidade leve que tomava conta de seu ser sempre que fazia uma daquelas coisas simples que faziam a vida valer a pena.

O carro da família não demorou a chegar. A noite estava quente e o pai mandou que o capô fosse aberto, assim poderia exibir sua família exuberante. O carro arrancou e Nina sentiu o vento em seu rosto enquanto sorria de algum comentário feito pela mãe e passava os olhos pela multidão que dominava o passeio público. Observava o mar de gente aglomerada nas sem ver ninguém até que, em meio a todas aquelas pessoas, reconheceu aqueles olhos cinza que a observavam do outro lado da rua e que se manteve assim até ela os perder de vista, os mesmo olhos que a observaram durante o dia todo.

O pai, ao perceber a palidez no rosto da filha, perguntou “Você está bem, querida?”. O leve toque em suas mãos a tiraram do devaneio. “Sim papai, apenas cansada” respondeu ela sem conseguir esconder a perturbação na voz. “Então vamos direto para casa” – disse o pai dando sinal ao motorista para acelerar.

               (CONTINUA)


Biografia:
Apaixonada por livros e agora me aventurando nos caminhos da escrita!
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