Hoje quando acordei, olhei em volta, estavam todas as coisas que eu deixei ontem à noite. Estava eu vivo, mais uma vez. Não sei por que me veio na mente esta preocupação. Talvez porque eu tenha alguns amigos em situações delicadas. Estão lá com eles seus familiares a fazer-lhes orações e a equipe dos Cuidados Paliativos talvez tenha sido acionada. Não tem jeito, é o que é. Minha cabeça fez um rastreamento destes eventos, frequentes, infelizmente, e eu agradeci por mais um dia. Que bom! Coisas da velhice chegando. Fiquei pensativo sobre a morte, que algumas vezes rondou-me. A Dama da Foice me é familiar. A cada piripaque que tive, eu a avistava lá no fundo do corredor com a foice na mão direita e a ampulheta na mão esquerda. Uma vez ela acenou forte pra mim, só pra me dar um susto. Já nem estou dando mais pelotas pra ela. A morte não me assusta, o que me balança é a separação. Isto sim eu acho que vai doer, pois já dói por antecipação, e sei que por enquanto é só em mim. Preocupa-me o fato de não poder mais ajudar as pessoas, principalmente os meus. E é por isso, um pouco precocemente, que tenho que desculpar-me por morrer. Se eu fenecer, peço humildemente escusas. Não foi culpa minha e não estava sob o meu controle. Se estivesse, eu adiaria indefinidamente pra ajudar um número maior de gentes. Sei, que quando ela abraçar-me de vez, eu saberei de coisas que hoje não sei ou que suponho saber. Peço desculpas pelo sofrimento dos que ficaram. Vai passar. Todos nós ficaremos bem.
Quando o fenecimento está mexendo na maçaneta da porta da vida é hora de viver intensamente as coisas internas. Viver intensamente não é praticar eventos à exaustão. É parar, introspectar, e viver com intensidade os nossos melhores valores. E agradecer a oportunidade de ter vivido em um planeta tão desafiador.
Sérgio Clos
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