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Minha terra desolada
Adroaldo Barbosa Jr.

Resumo:
Esta obra é uma visão de existência, talvez uma característica nobre do ponto de vista literário, do ponto de vista artístico. Alguns podem achá-la pobre, outros podem achá-la doentia, presunçosa. Em suma, uma obra literária qualquer. MINHA TERRA DESOLADA é o resultado de anos de trabalho. Escrita em diversos momentos, acabou levando dezenove anos para que se chegasse ao resultado que agora se encontra em suas mãos.

EU quero acordar a vizinhança
Para ouvir meus berros pela madrugada
Mas, eles não escutam nada,
Não escutam nada que acontece na madrugada.
Eu jogo nas ruas minha música,
Toda minha poesia e frases feitas
Mas eles não entendem nada,
Ninguém entende o que acontece na madrugada.
Eu ando pelas ruas vendo vitrines,
Crianças sujas em seus trapos podres
E choro junto pelos que têm fome,
Não sei por quem choro nem bem quem amo.
Eu abraço os pobres de espírito
E escuto todas suas pobres histórias,
Esses pobres e patéticos de alma pobre
É meu encontro certo nessa madrugada.
Eu passo por ruas e vielas úmidas e escuras
E escuto um choro de criança,
Um repetitivo e desgraçado choro de criança
Que é o pior de todos os refrãos.
Eu vejo as pessoas e seus passos apressados
Em todos os cantos, todos os lugares,
E temo que sigam meus rastros
E apresso meus passos por essa cidade.
Eu ouço as sirenes berrando nas avenidas
Se misturando ao som das discotecas lotadas
E o barulho do metal retorcido
Criando um novo contraste, outro tipo de grito.
Eu canto com você quase todas as noites
E, algumas vezes, me pergunto: cadê você
Que partiu tão cedo e me deixou aqui...
E agora acordo sozinho!
Deus, eu tento e não consigo entender
Razão que justifique esse viver.
Sou peão em jogo que não se vê
Toda a madrugada até o amanhecer.
Algo comove todo o meu ser,
Algo que não compreendo e nem tento entender,
Algo que surge todos os dias quando acordo
E me persegue até o anoitecer.
Algo acontece,
Algo comove,
Algo incompreensível,
Um novo amigo?
Dizem que estar é quase que viver
E viver é o limite do que se pode querer.
De fato, algo acontece que se queira aqui estar,
Porém, nem de todo esse desejo almejo.
Nada mais é suficiente
Quando não se sente mais o aroma das flores,
Quando as cores já não mais emocionam
E não podem ser vendidas ao olhar.
Destes-me tão raros momentos
Que alimentam o futuro ainda que no Presente,
Mas, a vigília que fazes em todos os meus passos
Tira-me o sabor das coisas mesmo em pensamento.
Na minha nobre e pobre terra eu vago
E me alimento das lembranças dos mentirosos,
Embebedo-me com alegria e gozo
E caminho insistente na terra dos leprosos.
Na minha humilde terra vago,
Hora sou soberbo, hora ignorante.
A fome que me cerca é desmedida,
A carne é fraca e a alma idem.
Peco tanto quanto o pior dos pecadores,
Desperdiço um tempo que não mais tenho,
Não diferencio o certo do errado,
Compartilho a ceia com meus detratores.
Não sinto mais o gosto do vinho,
Não reconheço um sorriso,
Não me recordo dos abraços,
Finalmente estou só!
Peso minha consciência na balança de um açougue
E o açougueiro me fita com olhos de rapina,
Não há acordo algum sobre o preço dessa carne,
Nem se é de primeiro ou de segunda.
Deus, tu que és dono das idades,
Conceda-me das horas o seu minuto final
E faça com que o mundo inteiro saiba
Que o miserável partiu, afinal.
Conceda logo esse desejo
E termine de vez com essa obra,
Livre das cidades esse infeliz
Que insiste em saber o que ninguém sabe.
Quando há febre, não faz mais diferença,
Há tempos o sangue é veneno.
O vermelho é a cor da cólera e do pecado:
O poeta sabe quando está condenado.
Se há mesmo poesia nessas avenidas
Tão iguais em diferentes cidades,
Que seja reconhecida
Em prol dos que perseguem a vida.
Enterro na memória mais profunda
As gigantescas torres de concreto,
As grotescas estruturas de vidro
Que imitam uma nova artéria.
Uma nova artéria,
Um novo estilo de vida,
Uma nova companhia
E uma precoce parada cardíaca.
Como os carros que se beijam nas avenidas
Encontro a companheira perfeita
Que me fala ao pé do ouvido:
“_Me aceite como a definitiva!”
Finalmente, o medo percorre minhas veias
E alimenta um sentimento esquecido,
Uma vontade absurda de ver o próximo dia
E tentar outra saída.
Todas as ruas estão congestionadas.
Uma favela inteira acaba de ser incendiada
Enquanto alguns moradores tentam salvar
O que resta de uma vida inteiramente falida.
Há uma reviravolta
Em torno desse humilde coração,
Um carnaval,
Quase que uma provocação.
Todas as veias são velhas e fracas,
Há melancolia em tudo.
Mesmo sem haver poesia,
E vice-versa, há vida em tudo.
Essa cidade é apenas tijolo,
Metal, suor, concreto e vidro,
Cimento preso a sentimento
Muitas vezes belo e muitas vezes feio.
Essa cidade é areia,
Concreto e sentimento,
Tristezas e alegrias,
Poesias jogadas ao vento.
Tem gente que aprende cedo, outras não -
Vivem a vida dia sim e dia não.
Alguns dançam conforme a canção,
Outros se perdem antes do refrão.
Alguns sempre têm razão, outros não -
Muitos se perdem em ilusão.
Enquanto alguns correm, outros dormem
E todos buscam alguma direção.
Alguns sonham o fundo do poço,
Outros sonham com o fundo do rio.
Alguns buscam independência,
Outros são a exceção.
Tem gente que ganha,
Tem gente que se perde,
Tem gente que se torna o problema
E outros pensam ser solução.
Divago sobre o tempo
E sobre os “tipos” que encontro nessa vida.
Perco uns segundos nesse tempo perdido
E, mesmo com tão pouco sentido, quão raro é o momento!
Se você não faz ideia, tampouco eu sei.
Talvez a fome que me consome consuma a você também.
Talvez o vício que afeta os iguais
Seja algo que surja somente entre anormais.
Eu me vicio com os seus tapas
E em cada gole de sua taça,
Cada carinho exagerado oferecido
Em troca de alguns trocados.
Eu me sujo com as tuas mentiras
E assimilo a água das suas sarjetas,
Aprendo atalhos novos em cada caminho
E apago os rastros dos meus próprios passos.
Eu te persigo em cada Igreja e cada casa
E me abasteço da tua ironia,
Visito cada idoso
E faço amizade com os internos do hospício.
Até onde chega a tua maldade
E a quantos abraça a tristeza alheia?
Pode a maldade ser tão inspirada
A ponto de a própria surpresa ser esperada?
Vida que deixa sangrar do lado esquerdo do peito
Os filhos do mundo que o mundo não quer,
Espalhe a novidade que a tristeza tem cabelos
E olhos castanhos mais castanhos que os meus.
Percebo requintes de crueldade
Nesse masoquismo urbano
Onde a pobreza não tem mais idade
E a mentira tornou-se apenas uma vaidade.
Eu me transformo
Em tudo que mais abomino,
Eu surjo no espelho
Como meu próprio assassino.
Eu sufoco e amarro no escuro do meu quarto
Almas pequenas ameaçadas de extinção
E atiro no lixo os sonhos de quem
Acreditou piamente um dia fazer parte da realidade.
Eu ainda sinto na pele marcada por fogo
A marca que machuca, a marca da verdade
E peço que um dia cessem as buscas
E que tudo se torne uma futilidade.
O combustível da felicidade
Corrói e esvai-se aos poucos
E aos poucos me contento
Com o equilíbrio que me sustenta.
Quando olho para meu próprio rosto, dói.
Eu exalo do corpo o resto do medo
E tento não ver como é estranha a linha da verdade.
Procuro o caminho que leva à liberdade.
Disfarço os meus desejos
E reprimo meus absurdos,
Abraço cada pesadelo
E mascaro meu lado mais obscuro.
Eu tento ver algo além do abismo,
Encontrar algo a mais além dos muros,
Transcrever todos os anseios
Escondidos por detrás de cada sonho.
Eu sou eterno,
Sinistro,
Terreno e fraterno
Enquanto dure o mundo.
Há nesse peito um coração dividido
Criado praticamente entre dois mundos,
O mundo que há dentro do abismo
E o que se vislumbra por detrás dos muros.
O meu canto está perplexo
Como também a voz pequena e incerta
Do pequeno que se esconde do outro lado,
Meu outro lado desse mesmo muro.
O que contam em outros cantos
Também contam nesses lados
Mas, o que vale nesses cantos
Também rima em outros vales.
Luzes fortes incomodam muita gente.
A escuridão alimenta o inconseqüente.
Muros altos com grades de bronze reluzentes
São contrastes em pintura de uma tela sem cor.
Flores urbanas são tão surpreendentes
E essa depressão é tão estimulante.
Os sorrisos são amargos e carentes
E a dor casada com juras de amor.
Esses edifícios são tão interessantes,
Onde as ruas molhadas na noite reluzem como diamantes,
Onde transitam os justos e honestos
Que mastigam vaidade e rancor.
Os carros passam e iluminam tanta gente,
Brancos, negros e crianças sem cor.
Poetas são tão metidos a irreverentes
Que assimilam a dor e tudo o que for.
Vejo vidas que traçam um mesmo plano,
Gerações de alegria por engano,
Marcas de época que são puro desespero
Traçando juntos um futuro incolor.
Vejo rostos repletos de esperança
Queimar em público por causa de sua cor,
Os que vivem sem nem mesmo perceber,
Uma pintura fria que escorre sem por que.
Corpos que dançam de altos parapeitos
Quase sempre se vão tão cedo
Desafiando teorias e conceitos
E ignorando todo tipo de amor.
Meus passos são tão lentos
E os movimentos tão intensos,
Os rostos são sempre os mesmos
E espero novamente o sol se pôr.
A justiça que se encarregue de dar clemência
Aos supostos inocentes
Que transitam nas ruas
Espalhando esperança e amor.
Eu quero ter a chance de ver o nascimento de Vênus
E a anunciação em plena primavera,
Quero ser como Santo Agostinho
E ler as sagradas escrituras à luz de velas.
Quero ser como Van Gogh e pintar girassóis
Mesmo que em dezembro a tinta seja vermelha.
Quero ter de novo jardim florido no quintal
E que o beijo que sai de meus lábios não seja nunca mais acidental.
Basta querer algo apaixonadamente
Mesmo estando tão cego e só?
Que o adeus seja digno
E que tudo retorne, finalmente, ao pó.
Surge a idéia de repente
De festejar como um analfabeto,
Aprontar uma mesa e convidar
Apenas os que passam fome.
Todo esse tumulto,
Todo esse protesto,
Todos os roubos
Dessa legião dentro de mim...
Melancolia sempre teve seu espaço,
Amor, tristeza e regressos amargos,
Sentir-se só e ser como sombra na multidão
E abraçar a própria escuridão.
Achar que é romântico sofrer
Por dor que reconhece, dor que sempre se vê
É mais que uma doença, é um caso de amor
Por tudo que machuca e o que causa dor.
Eu deixo que pensem que fui derrotado
Com os ataques inesperados
Dos que bradam gritos de vitória
E esqueceram-se de ser enterrados.
Eu deixo que joguem em minhas costas
A culpa de todos os culpados,
Deixo que queimem toda minha história,
Não importa tanto assim.
Meus lábios correm em busca de palavras
E meus olhos correm em busca de beleza,
Desenho sentimentos mentirosos
Que calam todos os sinos ao redor.
Palavras saem como lâminas
Na voz rouca que sai de minha boca
Desse outro eu que me aborrece tanto
E desafia tudo à primeira vista.
Nas manhãs de primavera as folhas dançam
Ensaiando seus balés desde o nascer do dia,
Será isso vida?
_Será isso o que chamam vida?
Eu quero encontrar a palavra perdida
Entre os afazeres do dia a dia
Que seja tão profana
Quanto proibida.
Quero ir de encontro a uma nova estação
Que me traga uma sensação de alívio,
Procurar o que chamam felicidade
E talvez aprender o que seja isso.
Uma epidemia,
Uma leucemia,
Rimas que ilustram
Um eterno melodrama.
Não se pode ter tudo!
Nem sempre belos são os nossos dias
E continuamos acordando.
As rosas não falam, mas, também estão vivas.
Há fome de amor!
Há fome e o que será?
Há fome nesse lar?
Se há fome, então, há.
Há tempo para tudo!
Há tempo pra sorrir,
Há tempo pra chorar,
Há tempo pra partir.
Eu quero fugir de casa sem deixar aviso,
Correr entre os campos de trigo
E deixar todos aflitos
Tentando entender o que teria acontecido.
Eu quero causar confusão,
O mesmo tipo que trago em meu coração.
Quero molhar todos em volta
Com a tempestade dentro de mim.
Eu quero acordar os que dormem
E os que nunca acordaram,
Quero descobrir quem são eles
E espalhar quem somos.
Amantes dessa dor,
Sedentos sem saber
Onde mais se ter prazer,
Onde mais chamar de “lar”.
Eu desvio o meu olhar
Com todo o ódio desse mundo
De todos os maltrapilhos e vagabundos
Que me reconhecem em um segundo.
Eu quero quebrar essas correntes,
Riscar paredes,
Promover a anarquia
E aprisionar o meio-dia.
Eu quero que chova canivetes
Enquanto rasgo minhas roupas,
Corto meus pulsos
E conto todas as gotas.
Um dia pode ser
Que algo aconteça
E faça que cesse essa tristeza sem fim
E tudo mude, enfim.
Então perco a ingenuidade
Do que ainda resta dessa madrugada
Vislumbro o absurdo de que tudo o que vejo
Ainda seja algo a ser lembrado.
Quem sabe um dia
A poesia se faça cantar
E a brisa leve o canto
A todo lugar.


Biografia:
Descendente de Herbert Harrison, é filho de Adroaldo Barbosa e Maria Eloísa Barbosa, ambos ex-funcionários da indústria de papel e celulose Klabin. Na década de 70, em plena ditadura militar, a família mudou-se para Foz do Iguaçu, onde o pai foi trabalhar na Itaipu Binacional. Sua produção fonográfica provém de canções dos anos 90 através da banda de rock underground "Queima de arquivo". Possui mais de 500 composições de sua autoria. Sua produção literária se baseia em poesias, contos, literatura infantojuvenil e romances. Trabalhou como vigia de hotel, cobrador de ônibus, desenhista publicitário, frentista em um posto de gasolina, bibliotecário e, atualmente, paralelo a sua atividade principal como escritor é funcionário publico estadual pelo Governo do Paraná. Em 2004 formou-se em Letras Português/Espanhol pela Unioeste. Em 2007 formou-se em Métodos e técnicas de Ensino pela UTFPR. O compositor iniciou a carreira como vocalista e letrista, onde acabou escrevendo canções para sua própria banda de rock underground, Queima de Arquivo. Possui cerca de 500 letras de musica. A banda teve curta duração (1996 a 1998) e deixou como legado um CD (O futuro da nação, 1998, Sanval). Como escritor, Adroaldo Barbosa Jr. tem uma produção literária bem ampla, onde não há um estilo literário em específico. Escreve romances voltado para o público adolescente e adulto, livros infantis, contos e poesias. Em sua primeira obra destinada ao público infantojuvenil O castelinho mais importante do mundo, o autor aborda o tema da separação dos pais e suas consequências em forma de metáforas, fazendo com que a leitura seja leve, porém, um tanto quanto ácida. No prefácio da obra, o Autor pede que o Livro seja lido pelos pais devido a complexidade do tema. O livro Zeca Baleiro e as escolas literárias brasileiras é, praticamente, um apanhado de seus estudos e análises sobre diversas letras de músicas do cantor comparadas a todas as escolas literárias brasileiras. Em Minha terra desolada, o escritor faz uma homenagem a T.S.Eliot e aborda temas como tristeza e solidão e os compara com a situação do país em que vive. Carta ao irmão distante é o emocionante relato de um homem que percebe a plenitude do que se trata realmente ser humano. A poesia O desmatamento da alma é considerada sua obra mais ambiciosa, pois, trata-se de uma obra com 300 estrofes e ainda em processo de revisão pelo escritor. Sua intenção é que a poesia some um total de 1000 estrofes e não há uma data pré-definida para sua finalização.
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Publicações de número 1 até 8 de um total de 8.


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