Bárbara quase se afogou quando sentiu aquela água cair em seu corpo quando estava dormindo. Ela não foi a única a ser acordada daquela maneira.
— Agora vamos esclarecer essa história, que eu não aguento mais esse silêncio de vocês!
Era o segundo dia que Alexandre as mantinha em cativeiro. Dois dias sem banho, dois dias comendo da pior comida e mal bebendo água. Alexandre não se sensibilizava com o choro constante das meninas. Tudo o que ele queria era ouvir a história que ele pensava ser a verdadeira. A versão que estava montada na sua cabeça tinha de ser confirmada ou ele as manteria ali pra sempre. Sentado na cadeira de madeira que colocou em frente ao colchonete, Alexandre fez questão de estar acima das garotas.
— E dessa vez eu quero a verdade.
Bárbara olhou para o lado e Lúcia chorava em silêncio, com o ranho escorrendo pelo seu nariz, sem a preocupação de limpá-lo.
— Vocês estavam ou não estavam na festa?
— Sim. A gente já disse que sim! - Lúcia gritou, cansada de reconfirmar essa informação.
— E você me traiu?
— Eu já falei que sim, porra!
— Cuidado, sua vadia. Cuidado! - Alexandre gritou altíssimo, como que se não tivesse medo de ser ouvido; aparentemente aquela casa ficava em algum lugar distante e isolado.
— Alexandre, você não acha que ta exagerando? - ela disse chorando, desesperada - Eu já disse que eu fiquei com o Inácio pensando em falar com você depois. Aliás, eu falei com você! Eu queria terminar e você não deixava!!!
— Cala a boca! - gritou novamente e se levantou, assustando às garotas enquanto se retirava do quarto.
Lúcia soluçava de cabeça baixa e Bárbara assistia seu pranto, sem força alguma de fazer perguntas ou de dizer qualquer coisa. Sua garganta estava fechada.
Quando Alexandre voltou, as meninas se esquivaram, esquecendo-se de que elas já estavam encostadas na parede. Era a faca que ele portava que lhes causou esse esquecimento. Isso e a expressão de louco de Alexandre.
— O diálogo aqui ta difícil demais e já passou da hora de vocês responderem o que eu to perguntando! Vamos ver se agora vocês me obedecem! - e ele se sentou novamente - Eu quero a verdade!
— Você já tem a verdade! - Lúcia insistiu novamente, tossindo em seguida.
— Ei! Fala mais baixo! Comigo você fala baixo! - e apontou a faca pra ela e depois voltou-a à Bárbara - E você? Você tava nessa festa também?
Bárbara, até então, tentava fazer jus ao que Lúcia lhe pediu no dia da festa, o que só dificultou as coisas e deixou Alexandre ainda mais irado, porque ele estava mais que convencido de que elas estavam presentes na festa. Quando Alexandre saiu do quarto, deixando-as a sós depois do interrogatório da noite anterior, Lúcia, muito nervosa pelo terror psicológico que ele estava fazendo, pediu que ela, pelo amor de Deus, dissesse a verdade. Bárbara não sabia se isso melhoraria alguma coisa e ficou estranhamente agradecida por Alexandre ter ficado o dia inteiro sumido, deixando somente uma comida nojenta e uma garrafa de água pras duas naquela manhã. Somente agora, à noite - provavelmente de madrugada -, que Bárbara tentaria reverter sua versão e falar a verdade, aquiescendo com a cabeça e confirmando que estava na festa também.
— Agora você confirma, né sua cachorra? Você não vale nada mesmo! - ele dizia com os dentes rangendo - E ainda teve a audácia de dizer que eu era apaixonado por você...
— Que?! - Bárbara sentiu uma forte dor na garganta ao tentar emitir essa pergunta exclamativa - Eu não... Eu nunca... Eu...!
— Eu nunca me apaixonaria por você, sua escrota. Eu nunca beijaria uma baranga que nem você! Nunca!
— Mas eu...
— E é muito bom saber que tipo de cobra vocês são. Uma mentirosa e uma traidora! - Alexandre, por algum motivo, achou que tinha material suficiente pra comprovar a sua versão dos acontecimentos.
Bárbara ainda estava transtornada e completamente desesperada. De onde o Alexandre tirara essa história?
— E querendo me fazer de otário! - ele se levantou novamente, assustando-as mais uma vez - Vamos ver quem é o otário agora. - e saiu do quarto, trancando-as nele.
Imediatamente em seguida, Lúcia se virou pra Bárbara e começou a dizer em desespero:
— Perdão, perdão, perdão, perdão... - Lúcia estava ajoelhada, com as mãos sobre as de Bárbara e o rosto enterrado no chão, chorando convulsivamente - Perdão, perdão, perdão, perdão, perdão, perdão...
Bárbara ainda estava confusa. Perdida. Com medo demais pra pensar. Mas Lúcia levantou a cabeça e começou a se explicar, como que se Bárbara já tivesse unido as peças.
— Quando o Alexandre disse que você contou que eu tinha ficado com o Inácio na festa, eu fiquei muito, muito puta!...
— O que?! - Bárbara perguntou novamente, afastando-se de Lúcia e começando a entender o motivo de ela estar ali.
— Eu juro que eu nunca, nunca, nunca imaginei que isso poderia acontecer de verdade...
Bárbara se colocava em pé, chocada com o que estava ouvindo.
— Bárbara, eu não queria que nada de mal te acontecesse...
— Ah não?! Você disse "o que é seu ta guardado"! - Bárbara começou a chorar convulsivamente também; de repente, o seu medo não era tão grande quanto a decepção que ela estava sentindo.
— Eu sei. Eu sei. - Lúcia também se levantou e tentava se aproximar de Bárbara - E... - ela tremia de um jeito assustador - Eu te peço perdão por isso, mil vezes perdão! Eu não achei que ele fosse fazer isso de verdade...
— Como assim não achou que ele fosse fazer isso de verdade? - a boca de Bárbara não conseguia se fechar - Você sabia que ele ia te sequestrar?
Lúcia apertou os olhos e voltou a se ajoelhar, não conseguindo controlar o choro.
— E você fez isso pra que eu fosse sequestrada também?
— Eu não achei que ele ia fazer isso de verdade... - ela murmurava.
— Você é um monstro! - Bárbara gritou.
— Eu não achei que ele ia fazer isso de verdade...
— Eu não acredito! Você que me envolveu nessa história toda e ainda tentou me punir?
— Eu não achei que ele ia fazer isso de verdade...
— Eu te odeio, Lúcia! Eu te odeio com todas as minhas forças! Eu te odeio, te odeio, te odeio!!!!!!!
— Eu não achei que ele ia fazer isso de verdade! - Lúcia se levantou para gritar essa frase mais uma vez, tendo um surto de raiva e pegando a cadeira, jogando-a em cima de Bárbara.
Caída no chão, desacordada, Bárbara não viu mais nada desde então.
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