O que define a PERSONALIDADE? Poucas pessoas dedicam seu tempo a pensar no que faz delas não só mais um ser humano no mundo, mas alguém distinto de todo o resto. Acordamos pela manhã, tomamos nosso café (alguns chá, outros suco, alguns poucos talvez até suportem a tal água morna, recomendada pelos budistas e professores de canto), beijamos nossos maridos, esposas ou familiares quaisquer e marchamos para o trabalho. Salvo certos grupos marginais, repetimos ações diárias que nos tornam parte de uma paisagem urbana comum, que nos tornam pouco diferentes de um motorista de ônibus ou de um grande empresário de sucesso. O que seria então aquilo que nos torna diferentes, o ponto fora da curva? Esse pensamento saltou da minha “sempre a mesma” xícara de café pela manhã.
Peça a um amigo, a um parente, à sua filha ou amante que te descreva. Depois, descreva-se, em frente ao espelho. As palavras se encaixam? As descrições são as mesmas? Pois eu vou te dizer uma coisa, somos todos muito fragmentados.
Alguns dirão que o Godofredo da portaria é sério demais, mas provavelmente não aquela namorada dele, a quem ele vive contando piadas de humor negro. A Silvinha da padaria é um amor de pessoa, atende a gente como se fossemos parte da família… exceto quando discute com o patrão e altera o valor das faturas de farinha de trigo. Tem também o Seu Agenor e aquela candura ao conversar com menininhos no parque… suspeito? Culpado? Inocente?
A ideia por trás dos questionamentos é bem simples: ninguém é o que parece ser. Ninguém é apenas o que acha que é, ninguém pode ser definido apenas por seus atos. Não somos o que acreditamos ser nem o que os outros dizem de nós. Personalidade não é isso… bom, então deve ser outra coisa. E se pensarmos, então, nos atores e atrizes, vistos como exímios manipuladores de personalidades? (Neste ponto, o café na xícara já estava frio. Paciência… certas linhas de raciocínio compensam a perda de um cafezinho - mas que fique bem claro, a maioria não.)
Em uma de suas lições, o famoso teatrólogo moderno Bertolt Brecht diz que o verdadeiro ator deve manter-se consciente do fato de que está atuando, não emprestando jamais sua personalidade ao personagem que interpreta. Confabulam os atores na coxia: “Bom, se ele não quer MESMO que usemos nossa personalidade para atuar, então ele deve saber exatamente separar o que é real do que é encenação, né?”
Pois bem… não. Nem Brecht nem ninguém no mundo conseguiu ainda separar a parte de nossas vidas que encenamos daquela que nos define de verdade. Não vou dizer como os atores resolvem essa questão profissionalmente, porque isso é lá uma questão deles. Mas e nós? E o motorista de ônibus, o empresário de sucesso, o Godofredo, a Silvinha, o Seu Agenor? Somos capazes de escrever em uma folha de caderno (ou em um arquivo Word) aquele textinho entitulado EU SOU? Há limites que definam para todo o sempre a personalidade de um mísero Homem? E de sete bilhões deles?
Juro que não todos os meus cafés da manhã são assim, mas hoje vim trabalhar com a pulga atrás da orelha.
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