Todas as tardes o velho Salustiano vinha à cidade, sentava-se num banco da praça debaixo de um pé de jatobá, tirava do bolso da camisa um cigarro de palha, ascendia, dava um trago e soprava a fumaça para o alto. Logo estava cercado por uma platéia que ia lá, somente para ouvi-lo contar suas mentiras. Naquele dia chegou mais cedo. Sentou-se, e, depois de dar umas três baforadas e cuspir para o lado, esticou o pescoço, olhou para os lados e ao ver que havia muita gente, deu uma pigarreada para limpar a garganta, pediu desculpa e falou:
- Olha gente, tem certas coisas que eu conto aqui, e as pessoas pensam que é mentira. Mas não é. Eu não invento nada, só conto o que vejo.
- É mesmo! – Falaram todos.
- Dia desses, eu voltava da roça e esbarrei em uma cobra muito grande atravessando a estrada.
- Não brinca, “seu” Salu!
- Pois tô falando! Vocês não vão acreditar! Mas é pura verdade. Era tão grande que tive que esperar duas horas e meia para poder passar e continuar a viagem.
- Não brinca, falaram todos! -- E o senhor esperou este tempo todo?
Esperei. Tive que me sentar num tronco caído de uma árvore, para dar tempo a danada passar. Fiquei duas horas e meia, até que, finalmente, ela passou, e aí pude seguir meu caminho.
- E o que tem de mais nisso para as pessoas acharem que é mentira
- Acontece que a cobra tinha um metro e meio de altura.
- Nossa “seu” Salu!!! É Mesmo?
Um rapaz que estava sentado ao seu lado, olhou meio torto com o canto dos olhos para ele, mas continuou calado. Permaneceu pensativo por um bom tempo, matutando, talvez, uma mentira a altura, só para dar o troco àquela conversa fiada do velho Salu. Enquanto o velho dava as suas baforadas, o rapaz acompanhava com seu olhar preguiçoso a fumaça que subia de mansinho e se perdia no ar. Esperou um pouco, e então falou:
- O senhor tem razão, “seu” Salu! A gente, às vezes, vê algumas coisas esquisitas por ai, que é até melhor ficar calado para não passar por mentiroso!
- E não é, moço? – Respondeu o velho.
- Pois então. Dias destes encontrei uns caboclos, lá na mata, cortando uma árvore, dessa turma de madeireiro. - Não sei se o senhor já ouviu falar?
- Pessoalmente eu não conheço não. Já vi pela televisão. Eles cortam as arvores com serra elétrica
- Exatamente! É esse pessoal mesmo! Pois eu os encontrei há vinte dias atrás, cortando umas árvores e como nunca tinha visto um danado desse de perto não quis perder a oportunidade.
- É claro seu moço! – eu no seu lugar teria feito o mesmo!
- E vou te falar uma coisa: quando cheguei lá, eles estavam cortando uma árvore tão grossa e grande, que havia doze cortadores em volta dela e um não ouvia o barulho da serra elétrica do outro. E ainda levaram dois dias para derru-bá-la
- Não brinca! Então a danada era tão grossa assim.
- Se era! E grande. Tinha o tamanho de um prédio de mais ou menos uns vinte andares!
-Virgem Santa, mas que raio de árvore grande era essa, rapaz? -- Nunca vi nada igual!
- Parece que o senhor não está acreditando em mim?
- Meu rapaz; com todo respeito que eu tenho por você . Pelo amor de Deus, não lhe estou chamando de mentiroso, não. Eu só acho que você deve estar enganado. Pois não existe uma arvore dessa grossura. Diga-me uma coisa para que eles queriam uma árvore tão grande e grossa assim?
O rapaz esticou os olhos para os lados, colocou-se de pé, e respondeu:
- Olha seu Salu, só para encurtar conversa, a árvore era para matar a cobra que o senhor diz que encontrou no caminho da sua roça.
O velho olhou para ele com cara de poucos amigos, ajei-tou-se de lado e bateu o cigarro pra derrubar as cinzas. Deu mais umas duas baforadas e permaneceu calado, e ficou olhando para o lado contrário de onde estava o rapaz. O pessoal foi se retirando, tão mansamente como aquele final de tarde e comecinho de noite, sorrindo baixinho para o velho não ver, e voltar outro dia para contar as histórias das coisas que ele via e que na verdade, era tudo mentira.
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