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A Menina e a Ponte
Vanderlei Antônio de Araújo


   Maria, até os dez anos de idade não havia ainda saído de sua cidade. Por isso, quando sua mãe lhe avisou que iriam fazer uma viagem de ônibus, ela estremeceu. Naquele momento, vieram-lhe lembranças de histórias assustadoras que lhe contavam desde pequena: eram historias sobre uma ponte que teriam que atravessar. Eram histórias terríveis de carros e ônibus que, ao passarem por ela, caíam no rio e então, muita gente morria afogada. Ela tinha muito medo de afogamentos, por isso escutava tais histórias, cheia de pavor. Conforme ela ia crescendo o medo crescia junto. O pior é que todo mundo da família lhe contava essas histórias, a maioria repetida
   Assim a partir do momento em que sua mãe lhe falou daquela viagem, uma forte inquietação tomou conta dela. Era como se pressentisse um perigo mortal se aproximando. Aquela ponte era uma terrível ameaça a sua vida. Naquela noite, impressionada, sonhou com ela. Sonhou que ao atravessá-la, a ponte começara a crescer. Apavorada correu tentando alcançar o outro lado do rio. Mas, a cada passada sua, a ponte mais se encompridava. Cansada, parou, mediu com o olhar o caminho a percorrer e se desesperou ao ver que o fim da ponte ainda estava muito longe. Mesmo assim con-tinuou a correr. Mas, a ponte só crescia, e as margens do rio ficavam cada vez mais longe. Acordou em pânico. O suor inundava-lhe a roupa.
   Às vésperas da viagem passou o dia, assustada. À noite, custou a pegar no sono. Na verdade, dormia, acordava, acordava, dormia, cochilando em mergulhos rápidos, dos quais emergia sentindo-se acuada pela idéia de ter que atravessar aquela ponte assassina. Desejou ficar acordada. Pois tinha medo dos sonhos que acompanhavam o seu sono. Eles a perseguiam trazendo de volta imagens terríveis da ponte crescendo.
   Na hora da viagem, com receio entrou no ônibus. Ao acomodar-se na poltrona, ao lado da janela, notou que suas mãos estavam frias, tão frias que ao cruzar os braços, sentiu-as geladas como um sorvete. Quando a porta do ônibus se fechou, e ao sentir que se movimentava, um frêmito percorreu o seu corpo e o suor brotou-lhe dos poros. Em poucos minutos, o veículo alcançou a estrada, os pneus zuniram; o vento balançou as cortinas e veio ao encontro de seu rosto.
   Por vários quilômetros a viagem se desenrolou tranqüila. De repente, sem aviso prévio, o ônibus diminuiu a marcha e entrou em uma curva. No fim da curva o terreno tinha um forte declive. Assustou-se ao ver que a sua frente, por cima do mato, surgia a ponte com seu leito de madeira pendurado, entre os dois lados do rio, estreitando a estrada. Por alguns segundos, olhou-a como quem vê um monstro ameaçador. Depois, fechou os olhos e esperou pelo pior.
   O ônibus desceu lentamente a ladeira e entrou na ponte. O coração deu saltos descompassados e a respiração acelerou-se. Não podia mais fugir, agora tudo era real. A ponte existia e sua vida corria perigo. Súbito um barulho estranho. O chiado dos pneus nas tábuas da ponte, deu-lhe uma sensação de pânico. Ficou sem saber o que pensar, até que não ouviu mais o barulho. Na verdade, só se tranqüilizou quando ouviu sua mãe falar que o ônibus acabara de passar a ponte. Mesmo assim, por mais alguns segundos, manteve os olhos fechados. Depois, foi os abrindo bem devagar como se despertasse, enquanto alguém acendia a luz. Sentiu-se aliviada. Nada havia acontecido. Não que ansiasse por um acontecimento ruim, mas porque esperava que alguma coisa, de fato, acontecesse.
Confiante, abriu a janela. Viu a estrada se estender sinuosa a sua frente, distanciando-se da ponte. O medo cessou, toda a inquietação desapareceu. Ficou alegre por estar viva e esboçou um leve sorriso. De repente ficou gelada, e toda aquela sensação de felicidade, não ocupou o seu rosto por mais que um segundo, pois se lembrou de que a volta era inevitável.


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