Toda a minha vida desejei ser um homem com cara de jardim para que as mulheres viessem pousar seus beijos nele, mas nasci com um rosto de cachaça. Meu primo chegou com ternura para mim e disse: “desculpe Lukata, mas você não tem cara de nada. Aliás, você tem cara de cachaça. Você lembra aqueles cachaças que vagam pelas ruas e bares!”.
Fui trabalhar num horto, como vigia, e deparei-me com uma estufa cheia de plantas, resedás, albízias, azaléas, palmeiras, ipês, quaresmeiras...
Eu já tinha cuidado do jardim lá de casa, mas de forma rústica, grosseira, olhava as plantas, dava-lhes água e pronto. Jogava a água como quem atira um osso a um cachorro. Eu sei que as plantas não tem olhos, mas ninguém gostaria de receber um jato sólido no olho. Talvez a forma como me mandavam molhar o jardim colaborasse nessa falta de delicadeza. As mulheres, não. Elas conversam com as plantas. Eu sei que as plantas não têm ouvidos, mas a Natureza tem um um ouvido muito grande. É uma conversa de mãe com mãe. Foi olhando as mulheres que aprendi a substituir o jato sólido pelo chuveirinho. Hoje, no máximo que chega a minha mangueira é a uma neblina de alta, jato sólido jamais. Derrubei muitas folhas sem estar no tempo de cair... Um dia, já com uma certa consciência, fiquei impactado com uma mulher que fazia a limpeza de um prédio e juntava as folhas caídas de uma planta na entrada da porta. Até ali não havia impacto, mas logo veio quando ela bateu com o cabo da vassoura nos galhos e as folhas que ainda demorariam dias para cair, folhas de ainda um verdecer foram derrubadas. Perguntei se ela gostaria de receber umas cabadas de vassouras e cair ali mesmo. “Quê é isso, moço! Eu ainda tenho muita vida pela frente!”. Muitas folhas, no auge, são separadas de suas árvores pelos jatos sólidos da vida.
Eu não fui ali para cuidar de plantas, há os profissionais, mas sempre a gente mete a mão na terra, cooperação. Eu relembro a infância. No jardim lá de casa, mau cuidado por mim, vinham pousar passarinhos, à noite vaga-lumes fêmeas subiam pelas hastes das plantas e o jardim parecia uma cidade acesa, postes com luz.
Apareceram as meninas da biologia, do paisagismo e da engenharia florestal, certa tarde, para cuidar das plantas. Vieram trazidas pelo superintendente. Dizem que o homem é todo voltado para fora, para o externo, e é verdade porque pela manhã quando assumi o plantão fiquei impactado ao ver a estufa praticamente vazia. Um útero vazio. O vazio incomoda...
Naquela tarde o superintendente teve o mesmo impacto que eu ao ver o vazio. “se o chefe chegar aqui e ver essa estufa vazia...” Vazio parece ausência de movimento. Parece. Quando o superintendente havia entrado na estufa, já havíamos retirado o resto das plantas grandes, isto é, capazes de sobreviverem fora da barriga da mãe estufa. Esse momento chega. Aquele vazio era a espera de novas sementes, novas plantas que ali cresceriam. O vazio também é parte do movimento, entanto, nós homens nem sempre percebemos isso, por estarmos essencialmente voltados para fora, temos que ver um lugar abarrotados de plantas. Dizem que a mulher, não. Esta é voltada para o interior. A estufa vazia para elas não quer dizer necessariamente vazia, mas em estado de gestação. E é verdade porque naquela tarde, lá estavam as sementes de árvores de 15 a 20 metros escondidas na terra. Nós homens olhamos para uma estufa com sementes ainda entranhadas na terra e a achamos vazia, mas as mulheres, elas veem que ali estão as árvores de 15 a 20 metros como um flamboyant, uma albízia e sentem o perfume sem o odor ter chegado ao nariz, pressentem flores vermelhas e o lilás das quaresmeiras... A mulher está acostumada a tornar visíveis, coisas invisíveis. Acreditam e vão atrás de portas que não existem. Para elas, uma estufa nunca está vazia.
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