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De mãos vazias
LASANA LUKATA


Meu radinho de pilha fica direto na estação de rádio Metropolitana porque aos domingos há o Programa Debates Culturais, que tem uma revista homônima e na qual escrevo minhas crônicas. Tendo o relógio parado de funcionar, a televisão queimada, para saber a hora liguei o radinho e dei com uma história conhecida sobre Frederick Nolan. Era um pastor de uma igreja batista falando sobre Nolan.

Na internet há outras versões da história de Frederick Nolan, por exemplo, o pastor João Soares da Fonseca disse que Nolan estava sendo perseguido por um grupo de fanáticos. Na versão mais antiga não fala fanáticos, mas um capitão e seus soldados. Bem, sendo soldados ou fanáticos, a exegese do texto, ao longo desses anos, não foi alterada, alterá-la-ei agora, deslocando o foco da teia da aranha para o capitão porque no fundo a teia da aranha reflete o capitão, os soldados e qualquer um que esteja preso a raciocínios lógicos.

Todos, até hoje, olharam para a frase de Nolan e repetem a ideia da teia de aranha como uma parede e é poética, mas isto é a superfície. A meu ver há uma melhor exegese no texto e que não foi depreendida, o que passo a fazer daqui por diante.

Frederick Nolan estava fugindo de seus inimigos durante um tempo de perseguição no Norte da África. Uma noite ele caiu, exausto, em uma caverna à beira do caminho. Sentou-se em uma caverna com menos de seis metros de profundidade. Quando ele se sentou, viu uma aranha tecendo a teia. Dentro de minutos a aranha tinha coberto toda a boca da caverna. Os perseguidores chegaram na hora e pararam na abertura da caverna e perguntaram se Nolan poderia estar escondido lá dentro, mas o capitão ao ver a teia de aranha intacta, disse aos soldados que seria impossível para ele ter entrado ali sem ter destruído a teia. Então os soldados deram meia volta e se foram e Frederick Nolan escapou, mais tarde registrando em seu diário a seguinte frase:

“Onde Deus está, uma teia de aranha é uma parede, onde Deus não está, a parede é uma teia de aranha.”


A rapidez da aranha

O homem é sempre essa tentativa de simplificar a vida numa teia de aranha. Não dá.
Um dia vi um pernilongo entrar e ficar voando no alto do canto da cozinha perto de uma aranha. De súbito a aranha saltou sobre ele e o capturou e em poucos segundos o mosquito estava todo imobilizado por seus fios. Fiquei espantando com a destreza e rapidez com que as suas patas traseiras davam direção ao fio. Uma excelente costureira.

A rapidez da poeira


Veja-se que o raciocínio lógico do capitão levou todos a erro. E por que estou escrevendo esta crônica? Por que tendo sido treinado na arte jurídica, onde é comum este tipo de raciocínio, certa vez, também, levei a minha chefe a erro. Ela, igualmente a mim, era formada em direito e não foi difícil convencê-la através de um raciocínio lógico que as tampas de ferro dos bueiros não tinham sido furtadas no meu plantão por que o lixo dentro da caixa do registro estava empoeirado, envelhecido, dedução: as tampas não poderiam ter sido furtadas daquela noite para o dia, foram furtadas nos plantões anteriores.

Nesse tempo eu trabalhava de vigia no posto de saúde. Quando ela veio me relatar o sumiço das tampas, juntos fomos olhar cada bueiro sem tampa. Eram uns cinco ou seis. Uma das tampas furtadas não era de bueiro, mas cobria o registro de água e ali olhando um monte de lixo em volta do registro e muita poeira, falei com ela que não poderia ser no meu plantão, pois, ali estavam aquela montoeira de papel, saco de pipocas envelhecidos pela poeira. Pela lógica não tinham sido furtadas na noite anterior, que foi o meu plantão, porque não daria para acumular, da noite para o dia aquela quantidade lixo e poeira. A poeira foi fundamental para o engano meu e da minha chefe. Dada por satisfeita ela decidiu cobrar dos outros plantonistas.

Lembro que eram dez horas da manhã. Fiquei insatisfeito com aquela resposta, estava tudo muito certinho para mim e comecei a duvidar de mim mesmo. E se foi no meu plantão? Essa dúvida me levou a subir na moto e ir de ferro-velho em ferro-velho da redondeza e perguntar. Não foi preciso muita gasolina porque no primeiro ferro-velho fui incisivo com o dono: não minta para mim? O senhor comprou umas tampas de bueiros? O homem me disse que não tinha como mentir, realmente havia comprado, mas já foi logo falando, paguei cem. E eu lhe arregalei os olhos com a palavra receptação, palavra que pelos olhos arregalados, há muito ele conhecia. Trouxe todas as tampas. Sem prejudicar ninguém. Precisava mesmo era de uma resposta para a minha dúvida: Foi no meu plantão que aconteceu o furto? O dono do ferro-velho falou que tinha acabado de comprar as tampas, às 8 horas da manhã daquele dia, exatamente no meu plantão.

Conversando com a minha chefe, administradora do posto, voltamos ao local para colocar a tampa do registro. Lá, pude verificar que por baixo, com o vento, o lixo chegava para dentro do registro porque o alicerce ficava acima do chão e o pior é que naquela manhã verifiquei mais ainda, com que rapidez a poeira se assentava sobre as coisas naquele posto de saúde. E pus-me a imaginar o dentista lá dentro, o paciente de boca aberta; feridas abertas sendo suturadas; bebês respirando aquilo tudo...Minha chefe se fez de surda.


Na rapidez da aranha: a rapidez de Deus



Ora, somente a teia da aranha salvou Nolan? Penso que não. De nada adiantaria a teia de aranha se o capitão não tivesse aplicado o raciocínio lógico sobre ela. Mas primeiro vejamos uma coisa: Qual o raciocínio da aranha? O raciocínio da aranha, um raciocínio natural, ao sentir passar aquele presuntão foi de comê-lo. Oba!!! Chegou comida e pelo tamanho hoje terei um suculento jantar e terei provisões para várias semanas. Tudo bem, ele entrou, mas sair, não sai! Esse tá no palpo.

A melhor exegese não é Deus e a aranha, mas Deus e o capitão. A aranha foi a atividade meio e não fim. Aqui, o fim é o homem. Foi o raciocínio lógico do capitão que salvou Frederick Nolan. E Deus não diz assim: “pegarei os sábios na astúcia deles?” Não está escrito isso? Que Deus poderia ter usado a aranha poderia como é caso da “Mula de Balaão” que além de empacar não seguindo adiante, começou a falar com o ganancioso profeta Balaão. Ali a ação divina concentrou-se todinha em cima da mula. Suponhamos que Deus tivesse posto a aranha para falar: Bom dia, olha o fugitivo não está aqui, ele foi por ali! Poderia ser que possuídos pela cegueira da violência não tivessem dado ouvidos a aranha e entrado: sai da frente que vamos entrar na caverna! Não. Deus usou a própria sabedoria do homem, no caso, a “Lógica”, naquele que era considerado grande no momento, o capitão, o cabeça.

Hoje muitos sabem que a vida não é lógica, mas o capitão, pelo texto, ainda não sabia disso... Uma caverna é sempre uma oportunidade. Além de treinado na arte jurídica, também fui marinheiro, treinado nas coisas do mar, fui da equipe de vela e velejei pelas águas da Baía de Guanabara entre veleiros classe laser e velejando ouvia uma frase que verificando livros era muito antiga: “quando há vento, molha-se a vela”, parafraseando, quando há caverna, entra-se nela. Poderia alguém dizer a esta hora que a frase “Onde Deus está, uma teia de aranha é uma parede, onde Deus não está, a parede é uma teia de aranha.” é apenas o ponto de vista religioso de Frederick Nolan como se este estivesse separado de todo do ponto de vista filosófico. Ledo engano. É verdade que religião, filosofia, psicologia, sociologia andam em antagonismos na disputa pelo poder, quem lembra da história do Rei Filósofo? E de Hehor, sacerdote que se tornou Faraó no Egito? Na história de Nolan Religião e filosofia não estão separadas, mas unidas para dar um plus, ampliar, ultrapassar a primeira intuição que foi a teia de aranha como parede para enxergá-la como símbolo, um espelho da mente do capitão.

Abramos um parêntesis para dizer que na rapidez da aranha pode-se vislumbrar a rapidez de Deus. Deus é rápido, depende das circunstâncias. O caso de Nolan era de urgência.

Essas e outras razões me levam a pensar que aquela teia na boca da caverna simbolizava a teia de palavras que se formaria, em raciocínio lógico, na boca do capitão, minutos depois, enredando todos os soldados e livrando Frederick Nolan. É preciso olhar a boca da caverna toda coberta pela teia da aranha como a própria boca do capitão coberta pela lógica. Cristo abria a boca em parábolas, o capitão em raciocínio lógico. Uma boca presa por esse tipo de raciocínio como se a vida pudesse ser delimitada por uma teia lógica. Mas é sempre o finito querendo engolir o infinito e a vida sempre sendo mais complexa do que as teias de aranha. É preciso abstrair. Esquecer por um momento que o capitão e os seus soldados são perseguidores e Nolan é o missionário, cristão, amigo de Jesus, precisando de socorro e lembrar que o capitão e seus soldados perderam Frederick Nolan. E se em vez de Nolan, no fundo da caverna tivesse um baú de dinheiro? Teriam perdido! Belas mulheres? Teriam perdido! A Felicidade? Teriam perdido! A salvação da alma? Teriam perdido. A questão mais profunda do texto são as perdas que o humano pode vir a ter se aplicar à vida, em sua inteireza, um raciocínio lógico. Não podemos simplificar a vida numa teia de aranha.

No fundo somos todos perseguidores... Uns perseguem a cachaça, outros as mulheres, alguns a fama, outros o dinheiro, eu persigo a Literatura... E quantos diante de uma caverna com teia de aranha cobrindo toda a entrada não raciocinam: impossível ter algo lá dentro. E saem desse mundo de mãos vazias.


Biografia:
Lasana Lukata é poeta, escritor por usucapião, São João do Meriti, RJ.
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