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RIO BRAVO E QUASE NADA
Guilherme Percello

Trecho de rio bravio aquele. Selvagem, águas constantemente
revoltas lançadas em vertiginosas corridas, caindo do alto
das cachoeiras com trovoada infernal.Fedendo a morte .E nas
beiras da praias grandes, areias alvas, pontilhadas de imburrados.
E o sol sobre tudo isto, esquentando de doer.Beirando as
praias, de ambos os lados do rio, o lençol verde da mata sombria ,
traiçoeira, quase inóspita.
   De Tucuruí a Marabá, barcos com convés de proa a popa,
construidos na pura madeira de lei,itaúba preta.So três ou quatro
tripulantes. Homens machos aqueles, mesmo destemidos, O piloto
de mãos calejadas, segurando o leme,nervos tensos, a vista alerta
fixa no canal. E aquele mundão de águas lambendo, fustigando,
mordendo as pedras das beiras;e o casco da embarcação a
tremer que nem geleia de mocotó.
   No porão a casa de máquinas, motores Diesel de duzentos
cavalos de força, roncando alto, imitando um coro de guaribas,
esturrando que nem onça faminta, e o maquinista, fechado ali ,
atendendo os sinais do piloto, feito por intermédio de um cordel
ligado na sineta do motor, com medo de rasgunhar-lhe as entranhas,
"emborca goela adentro, a modo de ganhar coragem, uma
talagada de pitu", que desce queimando como ferro em brasas.
   Como coisa louca a embarcação a pular feito chucro num
turbilhão de espumas .
   E aquele, o João Maneta?... Pescador de espinhel,todo o
ano, de Tucuruí ao pedral da capoeirana .Canoa pequenina, so um
remo na proa, esquivando o perigo, furando correntezas, procurando
o remanso entre um labirinto de canais.
Linha grossa do espinhel espichada através do remanso. A
canoa balançando de bubuia,e uns metros alem, la bem embaixo,
funil prateado das águas estourando em fantástico calidoscopio
com o sol dentro dele o
O João Maneta, além de faltar-lhe uma mão tem as pernas

cambotas, mas isto não apoquenta o homem:Peixe pequeno não
é com ele. No anzol do espinhel grande e forte,como isca, uma grossa sardinha.   Foi num entardecer,no remanso da Itaboca,com uma dezena
de garimpeiros observando em suspense a luta,homem e peixe.
Corpo equilibrando a canoa pequenina,e o brutela a pular feito
um mandinga.Uma hora,duas horas,quantidade indefinida de
tempo povoada de angustia, até que pela tarde,quando o sol já
emborcava-se para as bandas dos índios gaviões,o homem,valendo-
se de sua mão sadia,amarra a linha do espinhel na popa da
canoa e rema devagarinho ate ganhar a beira.La chegando,vinte
olhos que acompanharam a luta segundo a segundo,observam-o
admirados,e um dos homens explode:
   — Macho o aleijadinho !
E o outro,tirando o sabugo de milho da boca de uma garrafa
de cocal: — Bebe um gole João.
Ele bebe um gole,e mais outro.Sente-se bem.
Todos cooperam na labuta.Puxam o peixe para a prala.Me-
donha aquela piraiba,tem até cabelo no couro.Deve pesar mais
de trezentos quilos.Quando João devolve a garrafa?o gargalo
esta tinto de sangue.
   — Que e isso João?
   Pergunta um dos homens.
   — Não ê nada não - responde -. — Tem vezes que a linha
do espinhel queima as mãos.E até fere mesmo.
   E aquele holandês que era padre missionário,dono de um
aviãozinho,desses que chamam de teco-teco,que aquatizava no
porto de Jatobá, que um dia cismou que podia descer de"avoadeira"
ate o porto de Tucurui, e nem conhecia o canal? Era padre,
nao é? Ministro de Deus? Quem ia contradizer o homem.
Ninguém ia .Era ate camarada o batinudo.Forte, vermelho, cabelos
amarelos que nem palha de milho seca.De tempo em tempo
comprava algum diamante dos garimpeiros,diz que para agra-

dar a gente do lugar ,pagava bem.E não é que ele tentou mesmo!
Lá se foi ele,motor cantando na popa da avoadeira,como
que cuspido pelo próprio inferno, (perdoem-me,mas foi para la
mesmo que ele foi. )Ao que tudo indica errou o canal.Nunca mais encontraram nada dele, a não ser pedaços pequeninos da embarcação,que o rebujo quando espoca lança na praia.Piráiba
e bicho fomento.E piranha? Nem se fala.
   Da capoeirana três léguas aberta a terçado e pés de caboclo,
a vila do Breu Branco.Cortando a vila o trilho do trem.
Cento e quinze quilometros de estrada depredada,dois vagões
de carga e uma maria-fumaça, e tudo que a linha férrea possui
no tráfego.Burocracia muita. Candangos alguns.Trocando dormentes
nos trilhos, vivendo mais da caça e do garimpo de diamantes,
que mesmo do ordenado da Central do Brasil.
   Tetos de ubim,palha que dura mais que as outras, paredes
de paxiúba batida,algumas de barro .So uma rua de casas; direi
melhor,só um lado da rua.Trinta e oito a quarenta moradias,
toda a vila.E o cacimbão onde as mulheres apanham água,lavam
roupas,e ate levantam falso da vida. alheia.Bandos de moleques
sujos,pernas tuiras,barrigudos de tantas vermes,os pezinhos
'embiaras" de pulgas,dedos cheios de calombos,sujos mesmos.
   Os sábados pela tarde,a sanfona falando rouco no boteco
do Severino,preto grandalhão de olhar manso de cordeiro.E a
cachaça correndo mais que outra coisa,e todos, garimpeiros,
candangos e caçadores falando ao mesmo tempo,rindo e maldizendo,
em inútil esforço de esquecer a miséria.
   Maria mineira,preta velha e forte,já morou em quase todos
os garimpos,onde praticou o meretrício,do Lajeado a Capoeirana,
entra de tanto em tanto no boteco do Severino,e pede uma
cachaça dessas com pau perera,os outros é quem pagam.Ela agora
é respeitada pelos habitantes da vila.Meninos com achaques
de vento caído,espinhela caida, "Quebranti" e com ela.Os domingos
de noite e ela que comanda a sessão espirita no salão,
nos fundos do boteco do Cariba.O Cariba,que segundo dizem a
pedido do prefeito de Tucuruí foi nomeado delegado do lugar,
prá macaco faltava-lhe só o rabo.Pernas tortas,cabeça que nem
ovo de mutum,sempre piscando os olhos,a tremeliscar-lhe um
lado do rosto.E eram os domingos os dias mais lucrativos,pois
a mulherada que se juntava para assistir a sessão espirita da Maria
Mineira,bebia a cachaça baldeada que o macaco,digo o homem,
lhes servia,e até cada qual comprava um punhado de maconha,
para queimar,em louvor da "Negalabugi"." Teve o dia que a festa estava mesmo de lascar o cano,
e se fez invisível a bolsa com alguns trocados,do Piauí Velho,
chefe da estação.O homem ficou que nem fera,pulou para
o meio do salão de faca na mão e gritou:
   — Ta faltando a minha bursa,ate não aparecer ninguém
sai Daqui.
   A Maria Mineira falou:
   — Não será que o senhor perdeu,compadre?
   — Se eu perdi e aqui mesmo,e não tem conversa.Eu quero
a minha bursa.
   Na confusão a bolsa apareceu,perto dos pés de urn índiozinho,
que sentado num rincão modorrava a cachaça.
   -Ta aqui - Gritou um - Oh índio ladrão!
   E lá se foram todos, arrastando o homem até a presença do
macaco,desculpem,digo do delegado.E ele,Piscando mais do que
nunca,sem preambulos,disse para o pobre índio:
— Aqui no Breu Branco ninguém gosta de ladrão.Seo vai
ser amarrado no "pau-de-formiga.
   O índio estava tão bêbado que nem sabia do que se tratava,
nem de que o acusavam.Mas que amarraram,amarraram mesmo
No outro dia,um caçador que voltava da mata,encontrou o
homem deitado na beira dos trilhos,todo nu,parecia até doente
de sarampo.
Facão rabo -de -galo, garimpeiros quase desiludidos,meninos
sujos,famintos,mata sombria,traiçoeira,corda densa do espinhel.
   Homens tristes,homens machos,rio bravo e quase nada.
.


Este texto é administrado por: adonias horacio percello
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