Eu tinha dez para onze anos quando, numa noite, acordei assustado com umas fortes batidas vindo da sala de visita. Assemelhavam-se aos sons produzidos por alguém cavando a terra. O medo me invadiu. A escuridão do quarto ajudou a aumentá-lo. Aquilo parecia assombração. Perdi o sono.
Para voltar a dormir, cobri a cabeça e procurei desviar o pensamento daquele barulho estranho e assustador. Foi inútil. Subitamente, apareceram vozes misturadas às pancadas no chão que chegaram aos meus ouvidos, fazendo-me lembrar de histórias fantásticas que muitas vezes, ouvira contar sobre nossa casa, uma das mais antigas da cidade. Histórias de alma do outro mundo e coisas do gênero, que eram contadas pelos adultos para assustar as crianças. O medo aumentou ainda mais.
Minha mãe entrou no quarto e vendo que eu estava assustado com aquele baru-lho, disse, para me acalmar, que o barulho era produzido por dois homens abrindo um buraco na sala.
- Você não precisa ter medo, falou. Logo que eles acharem o que procuram, i-rão embora.
Ela virou-se, apagou a luz e sumiu, deixando-me em meio à escuridão. Fiquei tonto com aquelas palavras. Mas, a informação da minha mãe de que pessoas estavam escavando um buraco na sala, me deu a certeza de que era gente da cidade, pessoas conhecidas do meu pai. Não pensei mais em assombração. Nessa hora o medo foi vencido pela curiosidade. Parece estranho, mas a partir daquele momento eu não sen-tia mais medo e sim, uma enorme curiosidade. Então, decidi verificar o que estava acontecendo na sala. Precisava ver aquilo de perto.
Esgueirei-me até a sala e o que vi me deixou aliviado, porque meu pai estava lá também. Havia dois homens cavando um buraco no meio da sala. Parecia uma cisterna e tinha cerca de um metro de profundidade. O meu pai ria deles, dizendo a toda hora que não iam encontrar nada.
Aproximei-me do homem mais velho. Não era ninguém conhecido. Perguntei por que cavavam aquele buraco. Vendo que eu não estava entendendo nada, ele me disse que abria o buraco, porque queria encontrar um ouro que foi enterrado ali por uma pessoa morta. Contou que teve um sonho e no sonho, tal pessoa lhe dissera que havia enterrado ouro naquele lugar. Enterrar dinheiro ou ouro, disse-me, era um pecado sem remissão e por isso, essas almas penadas procuravam as pessoas corajosas, para arrancá-los da terra e assim, livrá-las do peso do pecado da avareza causador de seus padecimentos eternos. É muito comum, disse ele, uma pessoa depois de morta aparecer em sonhos para um vivente e doar uma fortuna, mas são poucos os com co-ragem para ir arrancá-la. Só assim, podem descansar em paz. Era para ajudar a pobre alma, que ele estava ali cavando aquele buraco. Mas também, queria ficar rico. Estes sonhos nunca falham, concluiu. Conhecera muitas pessoas que ficaram ricas, aten-dendo a pedidos de almas desesperadas.
Depois, voltou para o buraco e continuou a escavação. Eles não haviam furado mais que dois metros, quando apareceram algumas garrafas. Ficaram eufóricos. Estavam certos de que haviam achado o ouro sonhado. Mas, ficaram decepcionados, ao notarem que dentro das garrafas só havia baratas mortas e outras imundices. Isto, po-rém, não os desanimou. Voltaram a cavar até que surgiram novas garrafas, mas também cheias de baratas. Não sei quantas garrafas encontraram. O certo é que em nenhuma delas havia ouro.
O homem mais velho começou a esbravejar, dizendo que o ouro tinha se trans-formado em baratas, porque meu pai ficara o tempo todo rindo deles. Tinha certeza de que a zombaria do meu pai contribuíra, decisivamente, para transformar o ouro em baratas. Era difícil acreditar na história daquele homem. Mesmo assim, eles não desistiram e continuaram cavando.
De repente, no fundo do buraco começou a brotar água. No inicio, uma pequena surgência sem importância. Depois, a vazão foi aumentando e, em poucos minutos parecia a de um cano estourado. A água subia com uma velocidade incrível, e os homens, com medo de se afogarem saíram imediatamente do buraco. Meu pai, ao ver aquele mundaréu de água brotando e o poço se enchendo rapidamente, sobressaltou-se e pediu, aos gritos, que os homens tapassem o buraco imediatamente, jogando toda a terra de volta.
Nada adiantou. Porque não conseguiam estancar a água. O poço encheu-se e a água se espalhou pela casa. Foi um corre-corre danado, todo mundo levando e trazendo latas, baldes, bacias e até panelas para apanhar a água que sai do poço, tentando evitar que a casa fosse inundada.
Apavorados, os homens foram embora. Antes do amanhecer, misteriosamente, a água parou de correr. No entanto, apesar dos nossos esforços, o sol já estava alto e ainda havia muita água dentro de casa. Os homens não levaram o ouro sonhado, mas deixaram para o meu pai um grande problema, e para mim, uma pergunta que martelou a minha cabeça por muito tempo: Aquelas garrafas cheias de baratas, quem as enterrou ali?
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