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O conhaque
Vanderlei Antônio de Araújo



Josias, aos trinta e cinco anos de idade e dez de casado, inexplicavelmente, perdeu a libido.Todo o seu interesse pelo sexo desapareceu completamente. Não pro-curava mais a mulher, deixando-a desconfiada. Ela sofria, suspeitando de que ele arranjara outra, mas não falava nada, não reclamava. Passava os dias num mutismo exarcebado, tornando as coisas mais difíceis para ambos.
Ele procurava no fundo da mente uma explicação para o que estava lhe aconte-cendo, mas não encontrava. E para piorar, nem ele e nem a mulher tocava no assunto. Ela, talvez, porque tinha medo da verdade, e de perder o controle e fazer uma besteira. Ele, por sua vez, tinha vergonha do que estava lhe acontecendo e além disso, não tinha uma explicação convincente para apresentar a ela.
Furiosa, ela teimava em não tocar no assunto e mantinha-se arredia, não fazen-do nenhum esforço para conquistá-lo. E ele, cada vez mais encabulado com sua falta de desejos. Seu maior medo era que a mulher pensasse que arranjara outra e o aban-donasse. Ele e ela sofriam.
E assim, iam passando os dias. À noite, na cama, viravam-se de costas, um para o outro e dormiam. De manhã ele se levantava, tomava o café e saía para o trabalho. Não agüentando mais aquela situação, procurou um amigo, com mais tem-po de casado e, conseqüentemente, mais sabido nos assuntos de sexo e falou sobre o que estava lhe acontecendo e sem reservas, pediu um conselho, ansiando por uma resposta salvadora. O amigo perguntou se ele tinha uma amante. Disse que não, que era fiel a sua mulher. Depois, quis saber se andara bebendo ou comendo alguma coisa diferente.
Josias pensou, pensou e se lembrou de que, ultimamente, quando saía do traba-lho passava no boteco da esquina e tomava duas doses de conhaque.
- Está aí, seu problema, disse o amigo, o conhaque. Existem pessoas que ficam frias, sem vontade para o sexo, impotente, quando tomam essa bebida. Muitas vezes ela deixa as pessoas assim. Pode ser o seu caso. Você precisa deixar de tomá-la, imediatamente, para ter certeza.
Ele não pensou duas vezes. Abandonou a bebida de vez. Três dias depois, sentia-se melhor, e o resultado, era que sua libido voltara. Esperou mais dois dias e aí, teve a certeza de que estava curado. O amigo, realmente tinha razão. Sentia-se recu-perado e pronto para uma noite de amor com a esposa. Queria recuperar o romantis-mo perdido.
Naquele dia, voltou para casa mais cedo. Jantou e na hora de deitar tomou banho e esperançoso, pôs seu pijama e se jogou na cama a espera da mulher que acabara de entrar no banheiro. Nunca ia esquecer aquela noite.
Longos minutos depois, ela saiu do banho. Por sua vez, ela deitou-se. Nenhum falava. Ficaram-se frente a frente por alguns instantes, olhos nos olhos, cada qual tentando penetrar no fundo do pensamento do outro, numa luta íntima entre dois seres que, apesar de viverem lado a lado durante dez anos, pareciam dois estranhos. Ele cheio de vontade, sentia-se mais leve; e ainda experimentou até mesmo um sentimento de vitória. Entretanto, o olhar dela começou a recuar.
Tomado por uma imensa alegria, ele fecha os olhos, abraça-a e aperta com força o corpo dela no seu, na maior tesão. Ela, de olhos arregalados, se perguntava por que ele a trocara por outra. Sentia-se ultrajada. Inconformada, se desembaraça dos seus braços e o empurra, dizendo:
- Pode parar! você abandonou sua mulher por outra! Agora que ela não lhe quer mais, vem correndo para se consolar comigo. Você acha que sou remé-dio? Também não o quero. E antes que ele falasse qualquer coisa, o expulsou da cama.
Josias saiu de mansinho e desapareceu puxando porta do quarto. Pela manhã, saiu de casa e desandou a beber. Só tinha de vida o conhaque, os amigos e a impotência que a mulher não perdoou.   


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