Lei Seca em Mianmar
Dizem que em Mianmar – ou uma outra ditadura muito louca em pleno Século XXI – surgiu uma lei que estabelecia o exame para verificar nível de alcoolemia nos motoristas das metrópoles, deixando de lado a presunção de inocência. Assim, lá naquele país, durante as madrugadas os policiais causavam engarrafamentos quilométricos verificando o “bafo” de cada um.
O primeiro problema surgiu quando o motorista se recusou a fazer o teste, alegando que não era obrigado a produzir provas contra si e que, por fim, pela própria Constituição de Mianmar, todo cidadão é inocente até ser julgado e condenado. Mas isso não foi durou muito. Afinal, Mianmar é uma ditadura. Daquele momento em diante, todo cidadão que se recusasse a fazer o exame, seria preso por desacato a autoridade e teria presumida sua culpa. Ora, ora, ora... esses governos ditatoriais são realmente engraçados.
Só que não acabou por aí. Alguém resolveu verificar e descobriu que os tais bafômetros não haviam sido autorizados pelo Inmetro – o Inmetro deles lá, de Mianmar – o que os tornava ilegais. Novamente, como aquilo lá é uma ditadura, não fez a menor diferença. O problema é que os jovens que antes apenas se alcoolizavam, passaram a se drogar. Afinal de contas, o bafômetro não capta sinais de cocaína, maconha ou outra substância entorpecente. Assim, em pouco tempo a nova moda foi fumar maconha e cheirar cocaína antes de dirigir. Os acidentes se tornaram mais graves e mais numerosos. Finalmente, os asseclas do ditador de Mianmar encomendaram um novo aparelho, capaz de verificar a presença de qualquer substância entorpecente no corpo do motorista. O aparelho tem o formato de uma batata – das grandes! – e precisa ser introduzido no reto do motorista para efetuar o exame.
Dizem que a população não gosta de ter suas intimidades violadas, mas lei é lei. O motorista é parado por aquele brutamontes fardado:
- Boa noite, chefia. ‘Tamos aí fazendo a Blitz da Lei Seca Geral. Queira sair do veículo, baixar as calças e colocar uma das pernas no capô do carro. Só uma das pernas, por favor.
Neste instante, o PM abre uma caixa e saca a batata. Os motoristas que aguardam na fila para serem examinados começam a suar frio.
- Errr... doutor – nessa altura do campeonato, o motorista chama o PM até de Santidade – isso não vai doer?
- Bem... – o PM parece se condoer do cidadão – se for sua primeira vez, não vou enganar: vai doer sim. Mas depois do nono ou décimo exame, dizem que não dói mais. Tem gente até que entra de novo na fila...
O PM dá uma cusparada na ponta da batata.
- Putz! Tem que cuspir também?
- Cuspi porque fui com a sua cara. A seco dói mais.
O motorista olha para a fila de motoristas e tem a impressão de que diminuiu pelo menos a metade. Resolve dialogar para postergar o exame:
- Eu posso me negar a fazer o exame, não posso?
O Policial aplica a psicologia que aprendeu durante o curso para examinador de batatas:
- O senhor já ouviu falar nas cinco fases da dor da morte? A primeira é esta: a negação. Não. O senhor não pode se negar a fazer o exame.
- Isso é um absurdo, viu? Eu sou um cidadão! Tenho meus direitos...
- Esta é a Fase da Raiva. – o PM saca o cassetete – e acho bom ela passar logo.
O motorista baixa o tom de voz. É quase súplica agora:
- O senhor tem razão. Me desculpe. Não tem outro jeito?
- Agora é a Fase da Barganha. Não, não tem nenhum outro jeito.
O motorista começa a chorar:
- É uma situação muito vexatória. Olha só a fila: todo mundo olhando. Que vergonha, meu Deus!
- Agora foi a Fase da Depressão. Fique tranqüilo, porque eles também vão passar por isto.
- Puxa vida, viu? Se não tem outro jeito... manda ver.
- Viu que beleza? Agora finalmente veio a Fase da Aceitação.
O motorista dá um salto sobre o capô do carro e começa a correr:
- Aceitação uma pinóia! – grita enquanto corre.
O policial não se preocupa. Agarra o braço do motorista do carro de trás e lança:
- Boa noite, cidadão. Estamos aqui fazendo a blitz da Lei Bem Sequinha e vamos examinar o senhor para verificar a presença de produtos entorpecentes no seu corpo...
Agora só tem mais uma pessoa além do tetraplégico na fila, que estava atravessando a rua em sua cadeira de rodas: um rapazinho vestido de top rosa choque e um shortinho preto muito justo.
- Eu estava na frente dele, viu seu doutor? Não acho certo esse negócio de necessidades especiais passar na frente dos outros.
O tetraplégico concorda com o canto da boca torta:
- Nem eu... deixa ele ir na frente.
Bem, dizem que agora o povo só anda de bicicleta. Não sei se é verdade, mas - por via das dúvidas - não quero conhecer Mianmar.
J. Miguel (15ago2009).
|