O S pode ser S de Senado, S de Super-homem, S de Sarney, S de Satanás, mas quem quer ser Satanás? Todos aspiram ao Super-homem, ao herói. Mas o problema são as atitudes dos heróis...
Eu não sei onde fica Astipaléia porque pouco saio de São João de Meriti. Creio que fica bem pra lá de Madureira. O que sei é que em Astipaléia havia um herói por nome Clêomedes.
Conta a história que participando dos Jogos Olímpicos, matou seu adversário. Os juízes acusaram-no de deslealdade no combate, e não o declararam vencedor. Os heróis também trapaceiam.
Furioso, Clêomedes derrubou uma coluna que sustentava o teto de uma escola, matando grande número de crianças.
Perseguido pelos habitantes da cidade, refugiou-se no templo de Minerva e não mais foi encontrado. O oráculo interpretou esse prodígio dizendo que Clêomedes era o último dos heróis e que se deveria render-lhe culto.
Por esses dias tivemos um Clêomedes furioso no Senado. E a diferença entre Clêomedes de Astipaléia e o Clêomedes do Senado é que o oráculo foi quem interpretou que Clêomedes era o último dos heróis e que deveria render-lhe culto; já o Clêomedes do Senado agiu como oráculo de si mesmo, interpretando a si mesmo como se fosse o último dos heróis da República e que, portanto, os habitantes desse país em vez de persegui-lo, deveriam, sim, render-lhe culto. Era o próprio Super-homem discursando: “Acho que não posso ser julgado, é uma injustiça do país julgar um homem como eu...” Haja papaiz nesse país para trancafiar discursos trêmulos...
Tinha começado a escrever esta crônica do Senado, mas acabei dormindo e sonhei que meu pai se transformara num elefante, um elefante agonizante e doente para lá e para cá no quintal.
Pela manhã não me saía da mente meu pai daquele jeito, meu pai elefante. Corri ao dicionário de símbolos, o que significa sonhar com elefante? E a imagem do elefante na minha frente, agonizando... e vinha no dicionário: ser ferido ou perseguido por elefante é um mau presságio; vender um elefante é sinal de fortuna... (Quem iria querer comprar meu pai elefante e doente, agonizando?); e continuava – sonhar com elefante de dia é isso, à noite é aquilo, mas nenhum significado desvendava o elefante do meu sonho. O Dicionário de Símbolos não dava conta do meu elefante e ele ali no quarto, diante de mim, doente, agonizando. Tinha dormido com a janela aberta, a luz acesa, a caneta gelada na mão direita, acordei assim, com a crônica por terminar... Lido o Dicionário de Símbolos e nada resolvido me veio àquela sonolência matinal em que nem se dorme nem se fica acordado. E abri os olhos dentro da sonolência e o elefante estava lá também, no quintal. E fiquei olhando para o elefante da janela e me perguntando: Elefante? O que representa o elefante? Pulei a janela. Ventava suave. E o elefante com ternura me puxou para cima dele e pude ver o contexto da minha casa; o mistério sempre está no contexto. Vi que o meu quintal, na verdade, era Cartago; logo meu pai era Aníbal lutando contra Roma. A Roma que tentava destruir meu pai era a pressão alta. E tinha no Sal o seu grande herói. Mas quem era o grande herói de Roma na época de Aníbal? Não fui um bom aluno de história. A janela aberta, o elefante esticou a tromba e apontava para o alto da árvore e as saúvas deixaram chover pedaços de folhas sobre nós. Como um quebra-cabeça fui montando a folha de um velho livro de História Geral que falava de Cipião. Sim, para terminar a crônica do Senado, o elefante me levou até Cipião, o Africano. Outro herói.
Isso o Dicionário de Símbolos nunca iria me dizer por que é novo. E como vamos dicionarizar que sonhar com elefante é Cipião, o Africano?
Cipião foi quem venceu o grande general Aníbal e certa vez, acusado de traição, invocou esse passado, aparecendo cercado por uma multidão de amigos e clientes e: “Romanos, disse ele, foi em um dia semelhante que travei batalha na África contra os cartagineses e Aníbal, e fui vitorioso. Por isso, como justo suspender hoje o processo, vou daqui ao Capitólio, saudar Júpiter muito grande e muito bom, Juno e Minerva: ... quero agradecer-lhes por me haverem dado esse dia a força de prestar um grande serviço à minha pátria.”; esse mesmo Cipião, quanto denuncismo, acusado de ter guardado para si uma parte do saque, mandou trazer os seus livros de contabilidade, mas diz Tito Lívio, “Rasgou-os ele próprio, sob os olhos dos senadores, indignado por lhe terem pedido conta de 4 milhões de sestércios, a ele que pagara 200 ao tesouro público”.
Segundo conta-se, Cipriano teria dito: “Minha pátria ingrata não terá meus ossos”. E assim seguem os heróis: rasgam livros perante o Senado; suspendem processos contra si mesmos; acham que não podem ser julgados por ter um passado... Satanás também teve um passado brilhante e olha hoje o que ele é? Andava nas pedras afogueadas, cobria-se de toda pedra preciosa: a cornalina, o topázio, o ônix, a crisólita, o berilo, o jaspe, a safira, a granada, a esmeralda e o ouro, tambores, pífaros e olha hoje o que ele é?
Só falta o Presidente do Senado quando morrer, se morrer antes, em que pese seja maranhense e não mineiro, pedir para que só anunciem a sua morte no Dia 21 de Abril.
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