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  Texto selecionado
Seção Faixa Preta
Mario Bourges

Resumo:
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Então o samurai se levantou. Algo parecia ter tirado seu precioso sono, algo o incomodava. Olhou para todos os lados com afã, na certa procurava por alguma coisa. E como quem procura acha, ele achou, ainda que com auxílio de óculos (hum?). Assim sendo foi de encontro de seu achado, mesmo que visivelmente tonto, ou melhor, creio que invisivelmente, pois estava escuro e não dava para se enxergar nada. Tanto que seu achado talvez não fosse realmente o que quisesse que fosse. Logo, estando totalmente escuro e ainda por cima tonto, não custou para tropeçar em chinelos, sapatos, meias, e, para completar, pisar no rabo do cachorro (hum?).

Veja, desta forma tudo pode pegar rumos diferentes. Aquilo que pensava que seria seu na verdade não era. E em sua busca frenética e, de certa forma descabida, para pegar a tal coisa, pegou a primeira coisa que viu pela frente, ou melhor, que sentiu pela frente. E agora surgiu uma dúvida: para que ele pegou os óculos se não podia ver nada?... Ã... Talvez tal pergunta não merecesse mesmo uma resposta. Em todos os casos, deixe-me continuar com a narrativa. De posse da coisa que encontrou pendurada em algum ponto do quarto ele tratou de vestir. Mas um samurai de verdade tem sempre de se precaver. Antes de vestir de fato o que pegou deu uma boa chacoalhada para espantar uma possível aranha marrom desavisada. Sabe, evitar picadas de aranhas é uma prudência louvável.

Assim sendo, como já estava fora de sua alcova certamente que ainda sentia zonzeiras. Afinal, despertou numa hora inapropriada para seu organismo tão acostumado a regras. Sendo estas regras que ninguém até hoje soube dizer quais eram. Enfim, com o sono tento ido para as cucuias de vez não tinha muito que fazer. Claro que a partir daí resolveu então assaltar a cozinha imperial (hum?), mais precisamente falando a geladeira imperial (hum?). E se batendo pelo corredor rumou possuído por estranho espírito glutão até chegar à cozinha. Como naquela noite fazia frio preferiu vestir o que havia pegado no quarto.

Assustado, mas não intimidado, vestiu assim mesmo; um robe de seda. Contudo, tal robe não o pertencia, era de sua esposa. E como disse: não se intimidou com a vestimenta, pois um samurai, melhor dizendo, um praticamente xogun, não se intimida assim, tão facilmente. E como não se intimida fácil e nem se sentia mais tão assustado assim, decidiu que o melhor a fazer seria fechar seu magnífico robe de seda que nem era seu. Contudo, não conseguiu. A barriga era uma grande barreira a se vencer. Na verdade, um inimigo íntimo. E de tão intimo que era tal barriga, fora considerada pelos súditos como sendo uma grande amiga do peito, digo, do abdômen... Ã... De qualquer forma permaneceu com o robe sem amarrá-lo devidamente. Pelo menos estava melhor que passar frio. Se bem que usando ou não aquela merda dava na mesma, o frio continuava. Mas tudo bem, a fome era maior que o frio.

Alimentando-se vorazmente, o xogun passou a acreditar que enquanto estivesse se digladiando com os pães, o corpo aquecesse. E crendo piamente nesta teoria ele tratou de comer, e comer o que tivesse à amostra. Primeiramente preparou um sanduíche feito com peito de peru e queijo e geléia de uva e sei lá mais o que junto e comeu numa sentada só. Coisa de glutão, claro. Mas aquilo estava seco demais para sua garganta. O que fez ele então? Oras, o esperado apenas. Todo nobre deve tomar bebidas finas para empurrar suas fanfarronices alimentícias goela abaixo. Sem pensar duas vezes abriu uma garrafa de vinho, sacou de uma taça e... Paft! Lá se foi a taça. Quebrou-a... E dentro da geladeira... Claro. Na verdade este tipo de coisa faz parte da vida de um nobre. Principalmente quando quebra coisas dentro de geladeiras. Como foi que ele quebrou uma taça dentro da geladeira? Não me pergunte isto; são coisas de samurais. E ainda por cima, ele era xogun. E xoguns podem fazer qualquer coisa. Pura mágica oriental.

Porém, não se deu por vencido. Logicamente que não. Limpou as mãos que estavam melecadas de maionese e pegou um copo, pois o restante das taças estava guardado em local seguro. Providencial foi esta medida. Enfim, o copo foi enchido de vinho por uma, duas, três vezes. De repente a garrafa secou, e o copo também. Em compensação o lindo robe de seda informava que estava cheio de migalhas de pão, e ao contrário do copo e da garrafa, estava úmido com imensas manchas de vinho e água, além de algumas porções lambuzantes de maionese, mais queijo e muitas outras porcarias. No final das contas até que aquela cena grotesca soava bonito... Bom, talvez bonito não fosse a palavra mais adequada para definir aquilo, mas talvez apetitoso caísse bem. Contudo, a palavra nojento coubesse melhor no meio daquela nojeira toda. Enfim, que fosse assim então.

E neste ritmo passou algum longo tempo. Assim sendo, o xogun, vendo que não tinha mais forças, nem estômago, nem cabeça para ficar lá, na cozinha imperial, decidiu que ir para a cama seria a melhor coisa que tinha naquele momento para se fazer. Logicamente que antes disto tratou de dar um jeito no pequeno imprevisto ocorrido com a taça e a geladeira e o robe e a maionese e por aí vai. Meticuloso, tratou para não deixar evidências de sua passagem pela cozinha, e sem piedade jogou os restos da taça pela janela. Contudo, não precisou ocupar sua mente brilhante com a geladeira imperial, bastou apenas passar um pano sobre as divisórias e gavetas e portas e termostato para que tudo voltasse a brilhar como dantes. E fez isto rapidamente por que já encontrava-se tonto pelas talagadas de vinho. E o mesmo pano serviu para melhorar o visual da cozinha, que, aliás, nem estava assim tão prejudicada pelo momento gastronômico. Bastou apenas dar uma garibadinha aqui e ali e pronto.

Uma rápida conferência pelo ambiente para certificar que tudo estava em ordem, desligar o rádio imperial que estava sobre o forno de microondas imperial... (hum?), mas não antes de terminar a música dos Flogging Molly que tocava naquele instante. Que por sinal o animou de abrir uma outra garrafa de vinho, pois a música era bacana. Contudo a prudência falou mais alto... Bem alto até. Inclusive a prudência já estava implicando com o samurai dos samurais. Para ser mais claro, estava até um tanto quanto truculenta. Bom, logo um cabo de vassoura zuniu de um lado da cabeça e quase, por pouco, não arranca uma de suas orelhas. E a coisa toda continuou quente por lá.

De repente, a música Supernaturally do Nick Cave começou a tocar, em seguida outra e devastadora vassourada veio assobiando em sua direção, desta vez atacando por baixo, e, por mais um pouco que não se espatifa numa de suas quase invulneráveis e calejadas pernas de xogun. Todos do palácio estavam impressionados com a habilidade do mestre em se desviar de armas. Mas uma fatalidade ocorreu, durante o impressionante salto mortal sobre a saraivada de chinelos mais os violentos golpes de vassoura a guerreira encolerizada o agarrou pelo robe de seda e o derrubou diante dela.

Tal atitude, inesperada e ao mesmo tempo inóspita, deixou sua íntima e idolatrável vestimenta à mostra, um perfeito e lendário exemplar de cuecão balonê de seda feita à mão. Bestificado com tal atitude, levantou-se rapidamente e se mandou para o sanitário imperial antes que o pau comesse mais uma vez em seu lombo. Seu fabuloso sentido xogun o alertou das atrocidades que poderiam lhe acontecer se permanecesse lá, ainda mais de quatro, como parou depois de rodopiar feito pião. Imaginem só, estar com as roupas íntimas à mostra, posicionado em posição duvidosa para o inimigo, e ainda, levar uma camaçada de pau de uma guerreira raivosa. Seria desonroso demais para um samurai da estirpe da dele.

O final da história foi a seguinte: amanheceu, a guerreira já não estava mais raivosa. Inclusive, fora até dormir. O resto dos habitantes do palácio, todos incrivelmente curiosos, também debandou, foram todos para as suas respectivas camas. Já o samurai, temendo que algo de ruim lhe acontecesse, preferiu permanecer no sanitário imperial, mais precisamente falando no vaso sanitário imperial, onde, inclusive, adormeceu lá. E para lhe fazer companhia nesta empresa ele contou com sua inseparável camiseta regata (furada por todos os lados), o robe de seda jogado por cima de suas costas parcialmente pelada e ligeiramente peluda (hum?), e o fabuloso cuecão balonê arriado abaixo de seus joelhos envelhecidos... Experientes, melhor dizendo, e o seu fiel companheiro, um cachorro com cara de "tô nem aí" peidando para todos os lados, pelo fato de ter comido uma generosa porção de repolho com ovo cozido, mais carne moída, polenta, pé-de-moleque uma porção de outras tolices antes de dormir (hum?). Tudo bem, xogun que é xogun não liga para coisas como estas, agüenta qualquer parada. E tudo terminou estranhamente bem, e ainda, com alguém ouvindo a música Acropolis Adieu com Mireille Mathieu que tocava naquele momento quase divinal.


Biografia:
Sou jornalista de formatura, fotógrafo na prática e escrevo sempre que me é possível, pois vejo nesta atividade uma válvula de escape do cotidiano.
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