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A casa fantástica
Mario Bourges

Acontecia uma reunião familiar na casa dos Fontana no dia que resolvi visitar o patriarca, pois este havia sofrido um pequeno acidente e quebrado o pé direito. Mas como em toda a reunião familiar que conheço, cada membro da família levou a sua própria como acompanhante. Bom, e com tanta gente espalhada pela casa poderia considerar aquilo como sendo uma festa. Ótimo, sabendo que aquilo já era uma festa, poderia então tirar proveito da hospitalidade. Mas claro, de maneira comedida. Primeiro porque a idéia da festa no ambiente foi de minha autoria, ou seja, só eu sabia que aquilo era uma festa, e segundo porque o Sr. Fontana, o anfitrião, estava doente. Isso queria dizer uma coisa: não abusar dessa hospitalidade. Na verdade para mim isso não era problema, falo de festas, mas sou uma pessoa pacata.

A coisa estava boa para mim, tinha salgadinhos, pães, geléias e patês, e um bolo não muito grande, mas serviria para saciar a vontade de alguns em comer doces, ou talvez apenas como um complemento alimentar... Para os adultos logicamente, porque para as crianças isso poderia ser, perfeitamente, como a refeição principal. Ia tudo muito bem, todos se alimentaram, depois conversaram um pouco, ainda à mesa, para depois se acomodarem nos sofás e poltronas. De repente perceberam que a cachorrinha poodle dos Fontana havia desaparecido de suas vistas. Mas nem deram muita atenção pelo fato de haver crianças pela casa, e o que ela (poodle) não gostava era ter de dividir seu espaço com elas.

A reunião, ou a festa passou a ter ares de cansaço em alguns dos que ali estavam. O que não era de se espantar para aqueles que estava há horas fazendo “sala” aos visitantes. Principalmente para seu Fontana e seu pé engessado. Lá pelas tantas pedi para me indicarem o sanitário, pois os líquidos estavam fazendo efeito. Tive de subir os degraus até o primeiro piso para fazer uso deste cômodo porque o sanitário que fica próximo à sala estava com defeito. Sem problemas, pensei. Então subi a espaçosa escadaria daquele fabuloso imóvel do século XIX, prestando atenção em todos os detalhes nas telas e nas fotografias espalhadas ao longo do corredor até a entrada do dito sanitário. Grandes e diferentes interruptores de luz ornavam as paredes do antigo casarão. Além das louças como pia e vaso sanitário e bidê que eram um caso a parte. Tudo muito antigo, muito bonito, muito peculiar. Poderia incluir nesta fantástica lista de antiguidades todos os espelhos que ajudavam a compor a decoração da casa.

Pois bem, estava eu lavando minhas mãos enquanto observava os azulejos do banheiro, até que percebi uma dessas bonitas peças de cerâmica com um pequeno quebrado. Mas isso não afetou em nada o conceito que tive sobre a beleza daquela residência. Mesmo porque era tudo muito antigo, e acredito que nem exista mais daquele tipo de azulejo para vender. Então, com as mãos devidamente lavadas e secas era momento de sair dali e me juntar aos outros. E num susto pulei para trás quando abri a porta para sair. Não consegui descobrir o que era, mas uma coisa escura e pequena passou sobre meus pés a toda velocidade. Com o coração acelerado resolvi descer as escadas para comunicar o que vi, digo, o que senti. Rapidamente fui acalmado pelos moradores da casa quando me contaram que era a maluca da cachorra chamada Brenda, que tem como seu passa-tempo correr pelos corredores. Tranqüilizado com a explicação sentei para mais uma rodada de conversa entre os que ali estavam.

As horas, como todos sabem, passam. E passam mais rápido, de maneira cruel poderia assim dizer, quando a conversa flui agradavelmente. Sendo dessa maneira, seria prudente que os visitantes resolvessem ir embora, pois já se fazia tarde. Porém, enquanto o povo se decidia realmente se ia embora ou não, ouviam-se leves ruídos pela casa. Todos pensaram ser um pequeno pássaro se ajeitando em seu ninho, ou, quem sabe, a Brenda brincando pelos corredores com seus brinquedos. E com este pensamento a prosa se estendeu por mais algum tempo, ainda mais porque tínhamos como desculpa o cálice de licor que nos era servido. Claro, não podia recusar esta oferta. Aliás, mal podia esperar para provar o licor que a família Fontana produzia. Segundo especialistas no assunto, tal bebida era respeitadíssima entre os modernos pensadores e intelectuais. De posse dessas informações, seria interessante que eu também pudesse contribuir com minhas opiniões a respeito do licor. Ainda mais quando se tinha uma bela moça para servir a bebida.

Ao longo dessa adorável conversa comecei a olhar, vez ou outro, os quadros expostos na sala onde estávamos acomodados. Porém, tenho a dizer que existem sensações que só acontecem quando estamos no lugar pela primeira vez. Nesse caso era a residência do Sr. Fontana. Tive a impressão, enquanto observava as telas nas paredes, de que um relógio, pintado de maneira magistral no centro de uma bela praça florida, havia mexido o ponteiro dos segundos. Ora, pensei; isso só podia ser efeito do ambiente que nos arremete a épocas distantes, e ainda, e que talvez esse seja a melhor das explicações para meu olhar imaginativo, o dito licor, do qual eu ia sorvendo no momento em que liberava minha mente para passear nos corredores desta casa, que é um verdadeiro portal para o passado.

Mas infelizmente as horas foram passando no meu relógio, e estranhamente no relógio do quadro também, o que fiz questão de ignorar para não ficar impressionado com a situação. E lógico; nem passou pela minha cabeça comentar sobre este assunto com os que ali estavam, pois sem dúvida iriam me chamar de louco, ou pelo menos dizer que eu estaria embriagado. E como não gosto desses pensamentos errados sobre mim, preferi evitar ficar olhando para aquela pintura. Mesmo porque aquilo já começava a me atormentar. Então, levantei-me para ir embora. Já estava tarde e ainda por cima, eu já estava um pouco tonto. Aproveitando da situação os outros convidados também fizeram o mesmo, levantaram-se todos para se despedirem.

Nisso, a moça, filha do Sr. Fontana, se ausentou momentaneamente para procurar a Brenda que havia desaparecido. O que era um pouco estranho, porque ela, a cachorra, segundo me relataram naquele momento, assim que ouvia o barulho da porta se abrindo largava tudo o que estava fazendo para correr até a porta ver quem chegava ou saia. Mas isso não era relevante para mim naquele momento. Pensando assim tratei de me despedir de todos os que ali estavam, pois tinha que ir embora sem o quanto antes. Não podia me demorar mais. Afinal de contas passava da meia-noite. E como teria de acordar cedo tratei de me apressar em sair logo. Mas para isso era preciso, para não ficar chato, me despedir de todos que ali ainda estavam. Primeiro foram os outros convidados, depois, lógico, os proprietários da casa. Seguramente que eu queria ver nos olhos da filha mais velha do Sr. Fontana no momento da despedida. Digamos que fiquei atraído por sua beleza.

Então, após procurá-la pelas dependências do andar térreo, pelos quais pude circular obviamente, encontrei-a em companhia de seu irmão à procura de Brenda pela casa. Estavam em uma das grandes salas indicando e falando de que um som, nunca antes ouvido por eles, saia de uma das paredes daquele cômodo. Estranhamente, após intensificar o tal som, todos percebemos um enorme volume se formando no alto da parede, atrás do papel que a forrava. Além da gargalhada que dilacerou nossas almas no instante em que ouvimos. De repente, aquele volume na parede desceu até perto de nossas cabeças e fez estourar o papel. Tal situação me deixou apavorado assim que vi a cachorra ser cuspida detrás do papel de parede. Ela caiu ao chão sem vida, com seus ossos todos quebrados, e fora arremessada como se fosse uma almofada velha. Aquilo era como se a própria casa estivesse viva, e querendo se vingar de alguma coisa.

Bom, depois daquilo tudo, com certeza não pensei duas vezes, peguei meu chapéu, que já estava sobre um sofá, e tratei de sumir o mais rápido possível. Quanto à bela moça, quem sabe um dia nós pudéssemos nos encontrar, mas bem longe daquele lugar assustador. Porém, isso, só seria possível se eu voltasse a me comunicar com essa gente. O que não foi o caso. Semanas após este incidente li num jornal que a mansão dos Fontana havia sido demolida, mesmo sob os protestos dos conservadores mais fervorosos da região. A demolição do imóvel centenário aconteceu sem explicações plausíveis, e isso, claro, aconteceu diante de uma multidão de curiosos, Sinceramente falando, me senti aliviado. Fiquei tranqüilo depois que li a matéria. Pude assim passear pelas calçadas do bairro. Coisa que não fazia desde a época daquela maldita visita.

Agora, quanto ao Sr. Fontana e seus familiares não tive mais contato. A idéia de me encontrar com moça que estava flertando, naquela mesma noite eu a abandonei, e no instante em que saí da casa. Porém, em um dia qualquer, eu a encontrei caminhando pela calçada do outro lado da rua de minha casa. Imediatamente corri para dentro e me tranquei. E depois disso resolvi me enclausurar em minha própria casa. Pelo menos assim não corria o risco de ver coisas estranhas acontecendo por aí. E com esse pensamento vivi durante os 47 anos que me restaram. Hoje em dia vivo perambulando pela casa com mais uma porção de gente dividindo o mesmo espaço. Mas veja só que coisa estranha, a mulher do casal é a mesma com que eu, enquanto pessoa, estava querendo me enamorar naqueles anos anteriores. Sim, a filha do Sr. Fontana. Até sinto graça disso tudo. Mas não tenho vontade de torcer o pescoço daquele gato que fica urinando nas paredes da minha adorável casa.



Biografia:
Sou jornalista de formatura, fotógrafo na prática e escrevo sempre que me é possível, pois vejo nesta atividade uma válvula de escape do cotidiano.
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