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Rádio de Pilha
Luiz Eudes

Torcedor que se preza ouve o jogo através do rádio de pilhas. Nada se iguala ao prazer de colar o radinho ao ouvido e vibrar com todas as emoções que uma partida de futebol pode proporcionar.
     Anísio sempre agiu assim. Ganhou o seu primeiro rádio aos dez anos. Presente de aniversário do seu avô Avelino Brito. Anísio era torcedor do Esporte Clube Vitória. Time da elite do futebol baiano. Sempre que podia ia assistir aos clássicos BA-VI. E jamais se esqueceu do seu rádio.
- Mesmo estando no estádio, onde a alegria se faz presente, eu prefiro ouvir o jogo no meu rádio de pilha. Ouço os comentários, sinto as vibrações, tudo é mais emocionante. - Explica Anísio.
     No domingo haveria mais um clássico. Os dois mais famosos clubes esportivos do futebol baiano iriam se enfrentar na Fonte Nova. Anísio logo se prontificou a reunir o pessoal para seguir em caravana do Junco até a capital baiana. Reuniram-se em frente à Lanchonete Malhada da Pedra de onde saíram em comboio.
Dificuldades encontraram para estacionar todos os carros no mesmo local, posto que na saída tivessem dificuldades em uma nova viagem de volta em comboio. Superadas as barreiras iniciais, conseguiram acesso pelo portão lateral. Anísio ia à frente do grupo, devido ao seu estado de torcedor que mais vezes havia estado naquela arena.
     Seguiram por uma escadaria onde imaginavam chegar ao espaço reservado para os tricolores. Anísio sempre à frente conduzia o grupo. Um dos componentes colocou em dúvida o conhecimento do cicerone:
     - O que será de nós caso este rapaz esteja errado?
     Anísio, que tinha fama de possuir ouvidos de tuberculoso, reagiu com firmeza e desafio:
     - Como é que é, rapaz? Você está duvidando da minha capacidade? Freqüento esta casa mesmo antes de você nascer. Conheço tudo aqui.
     O sol lançava os seus raios fúlgidos sobre todos. Os membros da famosa Bamor cantavam o seu hino de guerra. A Bamor era temida, era o mais organizado dos grupos de torcida. Os seus componentes são implacáveis com os adversários.
     O juiz apitou ordenando o lance inicial, bola rolando sobre o gramado e num lance incrivelmente belo, o centro-avante tricolor consegue driblar vários atletas em passes e toques sequentes. Anísio acompanhava tudo por seu rádio Motorola. A Fonte Nova estava com a sua capacidade totalmente comprometida. E de logo o rubro-negro ouve o narrador desportivo entusiasmar-se com o craque vermelho e preto que segue em toques mágicos, rumo à grande área tricolor.
     - Calma minha gente, muita calma agora, neste primeiro momento podemos nos tornar campeões. - Avisa o ouvinte.
     O atacante foi derrubado na área, o juiz marcou penalidade máxima. O capitão rubro-negro chutou firme, enviando a bola direto na rede adversária e fazendo o primeiro gol para a alegria dos seus torcedores.
     Gritos, urros e fogos são lançados aos ventos. Alegria de uns, tristeza de outros. O pelotão de choque passa em disparada pelos torcedores junquenses que ainda procuravam assentos. Um tricolor gritava, chutava as paredes, agredia os seus pares com palavras ofensivas. A sargento que comandava a operação sacudiu a cabeça em sinal de reprovação e bloqueou o local para que isolasse aquele torcedor tresloucado.
     A tribo junquense continuava na busca por um local onde pudessem sentar. Esbarraram com o espaço bloqueado. Tentaram evitar o confronto e por um caminho tortuoso foram parar em frente da famigerada Bamor. Não deu outra: sobre os torcedores do Junco foi lançada uma chuva de latas de cerveja, cascas de amendoim, pedras de gelo, toda sorte de sobras. Anísio percebeu algo quente a escorrer em seu rosto, era um saco plástico com urina humana. Corre-corre, agonia, quedas, cada um por si e a certeza de que Deus sempre será por todos. Não foi possível evitar a separação. Encontraram-se tão-somente ao final do duelo futebolístico, no estacionamento. Anísio estava transtornado:
     - É verdade, eu que organizei esta viagem, eu que sou acostumado a vir para cá em quase todos os jogos. Tem gente aqui que nem sabia o que era a Fonte Nova. Recebi um saco de mijo na cara, estou aqui todo fedido, cansado e fui abandonado, quanto custou para que eu morresse? E ainda me chamam por primo Anísio. Primo um caramba, vocês não imaginam o que eu sofri... Agora, o que me conforta é saber que o meu radinho de pilha está aqui comigo. Apanhei, corri, tropecei, levantei, mas não o deixei cair.
Deve ser por isto que apelidaram o rádio de pilha de Consolo.
















Biografia:
Luiz Eudes é autor de Noite de Festas e Tempo de Sonhos
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