Morava na fazenda, gostava de exercer as suas atividades domésticas rurais. Entre aves e animais via o seu tempo útil passar depressa. E assim tocava a vida, embora sempre demonstrando o seu encantamento com as metrópoles. As luzes da cidade lhe enfeitiçavam e as delícias culinárias lhe atraíam. Apreciava os bons restaurantes, divertia-se cometendo o pecado da gula e gostava mesmo era das pizzarias.
Manhã de sol de uma segunda-feira calorenta, foi alertada de que precisava ir até a capital do estado a fim de providenciar documentos necessários à sua aposentadoria, vez que se aproximava a idade limite estabelecida em lei.
Malas arrumadas seguiram viagem no veículo de Aloísio, um dos seus sobrinhos, tão logo os raios solares brilharam sobre o Junco. Também viajava a sua cunhada Maria, a mãe do motorista. Foram direto ao apartamento de Luci que os acolheria. Luci é a filha da cunhada.
Atingiram o destino nas primeiras horas comerciais da manhã, depois de acomodados, fizeram um desjejum e a interiorana foi bater às portas da repartição pública. Enfrentou filas de espera, viu a bela manhã de sol se esvair pela janela envidraçada, colheu informações e finalmente foi atendida quando a hora do almoço se tinha passado.
Ao menos, para o seu deleite, havia conseguido o documento na primeira viagem. Uma sua vizinha lhe alertou que havia estado na agência por três vezes. Estava feliz, precisava comemorar.
Quando a noite chegou e as luzes da cidade se acenderam, ofuscando a beleza das estrelas, o quarteto dirigiu-se a um templo das delícias da culinária italiana. Acomodaram-se em uma mesa de canto na cantina, pois dali poderiam acompanhar todo o movimento da casa. Pedidos feitos ao garçom, aguardavam se refrescando com sucos de frutas da época, servidos bem gelados.
Passaram-se poucos minutos e surgiu a solícita atendente com a bandeja nas mãos, dirigindo-se à mais nova aposentada, falou-lhe algo e como numa infantil brincadeira de telefone sem fio, foi mal interpretada:
- Como? Pizza de pimenta? Não minha filha, muito obrigada, eu sofro de gastrite, não posso comer estas coisas quentes... Reagiu a ofertada.
- Senhora, por favor, esta pizza é a peperone...
- Não, minha filha, não insista, eu já lhe disse que não quero.
- Mas senhora...
O que a garçonete não sabia é que Antônia, a sua cliente, sofria de um distúrbio que provocava uma crise de risos em situações vexaminosas. E as gargalhadas não puderam ser evitadas, contagiando aos demais ocupantes da mesa.
Chamaram o gerente.
- Por favor, em que posso ajudá-los?
Não havia mais o que fazer. A risadagem havia tomado a todos no estabelecimento. Parecia um grande espetáculo circense. O gerente sentiu-se ridicularizado e perguntou se alguém conhecia um médico.
O esposo de Luci é médico. Telefonaram para ele. Estava de plantão no Hospital São Rafael, entretanto ao ficar sabendo dos acontecimentos, pediu licença aos pacientes e foi ao encontro da amada. Nada pode fazer. Não existem medicamentos que possam combater o riso generalizado e ainda que houvesse seria preciso muitas doses. Todos os clientes da cantina fartavam-se em riso. E tudo por causa de uma pizza de pimenta que a garçonete insistia em oferecer a Antônia.
O médico precisava voltar ao seu turno laboral. Mas antes de sair, pediu disfarçadamente à sua companheira que entrasse em contato com aquele seu primo jornalista.
Não demorou a chegar o repórter com a sua equipe. A reportagem seria matéria de capa no dia seguinte no principal jornal de circulação baiana. O fotógrafo disparava flashes em todas as direções, as pessoas prontificavam-se em conceder depoimentos. E o gerente desesperava-se. Tudo isto por causa de uma garçonete estúpida, será demitida.
Como notícia ruim circula mais do que rastilho de pólvora, o dono da casa foi avisado e ao adentrar no estabelecimento foi direto à mesa da turma do Junco:
- Quanto vocês querem para acabar com tudo isto? Toda esta situação está colocando o meu negócio em risco. Até a imprensa vocês já chamaram. E tudo por causa de uma pizza de pimenta...
Sentiram-se todos ofendidos. Eram interioranos sim, mas não eram idiotas. Quem aquele comerciante imaginava ser?! Acreditava mesmo que poderia comprar a dignidade das pessoas e acabar tempestivamente com a diversão de todos?
Foi preciso que os junquenses telefonassem para o advogado Laerte, famoso apaziguador. Suas batalhas jurídicas findavam sempre em acordos benéficos para as partes. O negociante tranqüilizou-se ao ver a figura daquele jovem casuístico que magistralmente aproximava-se da mesa onde Antônia ria incontrolavelmente ainda sob o efeito da suposta pizza de pimenta. O gerente o interpelou:
- Meu doutor, por favor, resolva a situação aqui. Tudo isto aconteceu por um mal entendido. Imagine o senhor o que será da firma quando os jornais chegarem às bancas amanhã. Estou perdido.
Doutor Laerte Nepomuceno, sempre propenso a conciliar os ânimos e as opiniões, sugeriu um acordo:
- O senhor sabe que nestas situações o código de defesa do consumidor sempre acata os pleitos dos clientes. Na melhor das hipóteses, esta casa será obrigada a conceder uma indenização aos freqüentadores. O senhor pode se adiantar aos fatos e encerrar a delonga.
Um sorriso amarelo invadiu o rosto do angustiado gerente. Vislumbrava a paz de volta a reinar em seu estabelecimento:
- Por certo, doutor. O que o senhor propõe?
Acontece que o bacharel também era muito famoso por causa das piadas sempre prontas para qualquer situação. E, como conseguira dominar a situação, resolvera tirar proveito para mais um dos seus gracejos.
- Façamos o seguinte: o jornalista não publicará a matéria nem os meus constituintes registrarão queixa contra a casa, desde que o senhor mande oferecer pizza para todos os clientes.
Sentindo-se aliviado e do alto do poder que o cargo lhe confere, o gerente determinou aos seus subalternos que servissem pizza para todos.
- Está bem doutor, tudo resolvido, muito obrigado. Só uma pergunta: Mando servir de que sabor?
- Oras mais esta... Pizza de pimenta...
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