Numa destas minhas viagens a capital mineira, passei um bom tempo no ponto de ônibus, numa destas tardes destes finais de semanas tumultuados, de trânsito infernal. Porque, como bem sabemos, assim é o sistema de transporte urbano neste nosso país. Faz a gente esperar, até se aborrecer.
Enquanto eu esperava, distraia, observando uma velhinha. Uma senhora, que de posse de uma pequena sacola de plástico na mão, perambulava sozinha naquelas imediações. Ela aparentava ter entre 85 e 95 anos de idade, ou mais que isso, sabe lá. De lenço na cabeça, com marcas de sofrimento no rosto, tinha aspecto de gente que já trabalhou muito, de sol a sol, na roça. Que teve muitas “crias”, e quem sabe algumas “percas”, como popularmente se fala em algumas regiões do nosso Brasil quando uma mulher tem filhos, ou perde durante a gestação, ou após o nascimento.
A velhinha estava transitando em uma destas vias perigosas e movimentadas do centro de uma destas cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Logo notei algo de muito estranho. Imaginei que senão eu, alguém haveria de ajudá-la, pois ainda existem pessoas boas neste nosso país. Dito e feito! Ela foi amparada por uma mulher para atravessar a rua.
Eu fiquei de cá, na torcida por ela, e pedindo proteção espiritual, para que a mesma pudesse chegar à sua casa a salvo. E aquela velhinha tornou a olhar pra lá e pra cá, sem rumo, já do outro lado, e revolveu atravessar a rua movimentada novamente, retornando do ponto de onde partiu. Desta vez sozinha. Parecia sofrer Mal de Alzheimer ou é mesmo a idade. É assim mesmo, a gente vai perdendo os sentidos. Fica caduco, e volta a ter a inocência de uma criança. É preciso alguém para vigiar.
E ela veio em minha direção. Acreditei que foi Deus quem a tocou. Preciso dá um jeito de ajudá-la como fez aquela bondosa mulher.
O olhar daquela velha senhora me dizia que quando o ônibus passasse, ela não iria conseguir identificá-lo. Não indagava ninguém. Parecia estar cansada, aérea. Estava talvez a pensar em o que fazer da vida, naquela multidão de gente. Ela, encostada sobre a parede, solitária, desprotegida e sem nenhuma pessoa pra contar uma daquelas estórias que faz netos e bisnetos dormirem.
Falando em netos e bisnetos, logo Pensei! Não teria esta velhinha nenhuma neto por ela? E filhos? Decerto não tem, ou é impossível não ter. Uma mulher não tinha só “percas” naquela época dela.
Aproximei dela e perguntei para onde estava querendo ir, e com voz mansa, engasgada pela dificuldade de falar e, sobretudo, resistindo olhar nos meus olhos, talvez temendo que eu fosse “persona non grata” a assaltá-la.
Poderia ela estar mesmo vindo do banco. Quem sabe aquela sacola enrolada e apertada pela mão com toda força não era o dinheiro da aposentadoria? Estava certa. Afinal de contas, quem seria eu numa cidade tão grande e violenta?
Descobri que a velhinha estava a querer pegar a mesma condução que eu. Ainda bem! Assim quando o ônibus viesse, eu a conduziria até o assento.
A velhinha por sua vez, lá na frente, sentada, inofensiva, em silêncio, mim fez lembrar a Música de Zeca Pagodinho: “deixa a vida me levar”... E também pude rememorar aquela velhinha lá de casa, no interior de Minas Gerais, com idade de 102 anos.
Na viagem, fiquei o tempo todo a observá-la, ali naquela ala de idosos à frente, que quase ninguém respeita, sempre lotado de gente jovem, ocupando os lugares. E mais uma vez, eu, do outro lado da roleta, na torcida para ver a velhinha chegar ao seu destino final.
Lamentável. Desci antes, a velhinha seguiu seu destino. Só mim restou lembranças e a interminável indagação. Por onde andará aquela velhinha!
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