No ensaio sobre O pensar é dialógico e dialético, partimos de uma afirmação e por meio de conceitos e observações sucessivas, chegamos à conclusão de que o pensar é dialógico e dialético. Mas, ao articular os conceitos embasadores da semiótica perciana, inevitavelmente, por forças dialógicas e dialéticas do universo sígnico, esbarramos na semiose. A semiose, segundo nossas pesquisas, possibilita uma abertura extensa para um estudo de tudo, por causa da abrangência que se apresenta no universo peirceano.
No entanto, para não enveredarmos em outro terreno da semiótica, a não ser nas proposições que dão sustentação a esse debate, fomos buscar o dialogismo e a dialética a partir dos signos e seus objetos, pelos quais podemos classificar esta parte do trabalho, como sendo mais sistematizadora, o que difere um pouco do O pensar é dialógico e dialético.
Ao debruçarmos na noção lógica de signo como relação triádica, focamos a seguinte colocação:
“Se um signo é algo distinto de seu Objeto, deve haver, no pensamento ou na expressão, alguma explicação, argumento ou outro contexto que mostre como, segundo que sistema ou por qual razão, o Signo representa o Objeto ou conjunto de Objetos que representa. Ora, o Signo e a Explicação em conjunto formam um outro Signo, e dado que a explicação será um Signo, ela provavelmente exigirá uma explicação adicional que, em conjunto com o já ampliado Signo, formará um Signo ainda mais amplo, e procedendo da mesma forma deveremos, ou deveríamos chegar a um Signo de si mesmo contendo sua própria explicação e as de todas as suas partes significantes; e, de acordo com esta explicação, cada uma dessas partes tem alguma outra parte como seu Objeto”. (PEIRCE, 1995,47).
pela qual fica evidenciado que atuar como signo é determinar um interpretante. Sendo assim, podemos afirmar que o signo é descrito em termos de semiose como um processo, um encadeamento, funcionando, portanto, num sentido relacional. A relação signo-objeto-interpretante, na semiótica peirceana, cumpre o papel, ou seja, visa descrever a forma desse processo.
A realidade (o objeto) se torna manifesta por meio da mediação dos signos e esses signos são apreendidos pelo interpretante. O objeto é acessível apenas por meio da mediação dos signos. Pode-se dizer, com toda certeza, que o signo se apresenta inevitavelmente incompleto. Sua ação é a de crescer, desenvolver-se num outro signo. Assim sendo, a relação da realidade dá-se por incompleta, não é um dado acabado, mas um processo contínuo e ininterrupto.
Dessa forma o modelo peirceano do conhecimento é triádico, sendo o signo o termo mediador, o meio do conhecimento. E, na tríade genuína, o objeto do signo não se confunde com uma coisa física ou com a causa material de uma sensação vinda do exterior, mas é, ele também, de natureza sígnica, de modo que, do lado do objeto, estamos sempre diante de uma regressão infinita de signos.
Mas, na medida em que o signo produz interpretantes, em progressão também infinita, e neles se desenvolvem, a fim de melhor revelar a relação de representação que ele mantém com o objeto, então, em última instância, o objeto do signo significa “escopo”, “uma meta”, “um propósito”, “um objetivo”.
Nesse sentido, é o objeto (a realidade ou verdade) que funciona como causa final (infinitamente remota, aproximada, mas inatingível) na esfera do conhecimento. Sendo esse o modelo do conhecimento de natureza inevitavelmente triádica, todo conhecimento, então, é mediado, ocorrendo por meio de representações, isto é, todo pensamento se dá em signos e não há pensamento que não seja dialógico por excelência, visto que a mera presença de um signo chama a presença de um outro.
Podemos concluir dizendo que o dialogismo é dialético, isto é, triádico, pois na semiose todo sentido é sempre mediação (isto é, para significar, a ação do signo acaba gerando, a meu ver, outro signo). Daí que a cadeia é infinitamente dialética.
Mas Peirce vai muito além disso ao dizer que a semiose não é patrimônio exclusivo do homem. Essa semiose está presente no vegetal, no animal, na ameba e até mesmo nas inteligências artificiais, em toda linguagem e, se assim podemos dizer, até na imaginação e transformação da própria natureza que -- parece-nos -- também é toda dialética, pois não só o pensamento humano faz parte do dialogismo cósmico. Esse pensamento de Peirce exige, ainda mais, que precisemos o conceito de dialogismo e dialética.
Podemos dizer que, basicamente, a dialética e o dialogismo têm a função integradora do signo, estendida como uma lei estrutural no todo do sistema peirceano.
Referências
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