Lacerda se levantou da cadeira eufórico e ajeitou as calças que escorregavam de seu corpo roliço sem controle ameaçando cair, e enquanto procurava visualizar um garçom para pedir qualquer coisa para nós, que estávamos à mesa, dividia a atenção com o programa que passava no televisor localizado num canto, perto do corredor dos sanitários, e suspenso até perto do teto por um suporte para evitar que algum enxerido engraçadinho resolvesse mexer no aparelho sem autorização.
Num lance duvidoso, em que o árbitro marcou uma falta para o time adversário ele, o Lacerda, perdeu a passagem do garçom, e consecutivamente esqueceu o que ia pedir. Assim sendo, sentou-se atônito, roeu as unhas da mão esquerda e tamborilou com os dedos da mão direita no tampo da mesa. Estava visivelmente transtornado com a situação. Mas para nossa sorte, seus gritos desafinados não se faziam ecoar nas paredes do recinto. Ele ainda conseguia se conter. O que foi, no meu ponto de vista, algo muito bom. Porque ninguém precisava ouvir tamanha bizarrice.
O tempo passava, e nós estávamos nervosos com a situação do jogo. Os outros clientes do bar estavam nervosos, e o proprietário e os dois garçons também. O Lacerda? De tão nervoso que estava não parava de tremer e de sacolejar. Parecia até uma britadeira em ação. O pote de amendoins pedido há pouco tempo para a mesa estava vazio. Os amendoins? Espalhados pelo chão. E também, há esta altura dos fatos todos nós segurávamos nossos copos nas mãos para evitar que tivesse o mesmo fim dos tais petiscos.
Para o jogo terminar faltava poucos minutos, e com ele nossa paciência também estava no limite. Quanto ao Lacerda não quero nem comentar, pois este se encontrava babando sobre o peito e com os olhos fixos no aparelho de TV, inerte, sem expressões. Ficamos preocupados com ele, mas o jogo estava no fim. Então, deixamos ele ficar ali mesmo do jeito que estava, pelo menos nossos copos podiam voltar para a mesa sem ser derrubados.
A partida estava empatada em dois a dois. O clima tenso no boteco e no campo, onde acontecia o jogo. Jogadores dos dois times se provocavam, se empurravam. Foi aí que houve uma expulsão de um dos nossos. O árbitro, aquele ladrão, deveria ter feito isso com o jogador do outro time, e não com o nosso, pensei. Bom, acredito que todos naquela hora pensaram assim. Mas não havia jeito, a nossa defesa estava sem um importante homem. O Lacerda nem piscava mais nesta hora. Que estranho, pensei novamente.
Faltava apenas um minuto para o jogo terminar, e até eu estava roendo unhas. Alguém resolveu ver o que aconteceu com o Lacerda, pois ele estava muito parado. Havia morrido lá, sentado no bar, e sem o nosso auxílio, mas o jogo continuava. Faltava um minuto, podia mudar tudo. E mudou. O atacante dava tudo o que aguentava, já estava visivelmente cansado, nós podíamos ver isso, todos viam isso. Então passou a bola para um outro companheiro num passe fenomenal que, com apenas um chute... Gooollllll... Gol do Brasil! Gritou o locutor, gritamos nós, gritaram todos no bar, nos lares, e em todos os lugares. Lacerda não gritou, estava morto na cadeira. Olhamos para ele neste momento. Tinha um largo sorriso estampado em sua face.
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