Cruzeiro, cidade satélite de Brasília. Anos 1970, em plena ditadura militar:
Três meninos brincavam embaixo dos blocos do Cruzeiro. Passa uma viatura com cinco militares. Talvez por acharem os meninos em atitude suspeita, descem do veículo e um gordo sargento os aborda:
- Estamos procurando suspeitos de subversão - os meninos se olharam assustados porque nem sabiam o que era isso - vocês viram eles passando por aqui?
Diante da negativa e para não dar viagem perdida - "corrida de ganso" como diziam no jargão policial, o sargento lançou seu olhar mais desconfiado sobre as crianças e perguntou aos berros:
- O que vocês estão fazendo aqui, bem no meio da tarde? Posso enquadrá-los na "vadiagem" - que era uma desculpa que tinham para levar qualquer um até a Delegacia para averiguações.
- O que seu pai faz? – pergunta o gorduroso sargento para o guri que parecia mais medroso do grupo.
- Meu pai trabalha no Senado – respondeu o menino, momentos antes de mijar nas calças. O pai era apenas o operador de fotocopiadora, mas não deixava de ser do Senado. E funcionário do Senado estava acima de qualquer suspeita, conforme o pensamento dos agentes da lei. Eles achavam que: "mexer com funcionário do Senado era o mesmo que mexer com Senador". Apesar de que, naqueles tempos, muitos senadores e deputados estavam sob suspeita.
- E você, moleque, o que seu pai faz – o sargento temendo o famoso “sabe com quem está falando” deixou o primeiro menino em paz e partiu pra cima do segundo.
- Meu pai é ator de filme pornô – o segundo menino falou com toda seriedade do mundo - na verdade seu pai era Assessor de Senador.
- Como que é? Seu pai é ator de filme pornô! Quá, quá, quá, quá, quá. O sargento não aguentou aquela resposta que ele achou tão direta e absurda que ria, balançando as banhas.
- Tenente, tenente – gritou para o superior de farda – o pai desse menino é ator de filme pornô. Quá, quá, quá, quá, quá.
E a risadaria contaminou todos os policiais que não sabiam se riam da resposta ou da postura séria do menino.
- Quá, quá, quá, quá, quá. O sargento ria e não conseguia falar mais nada e, com um abanar de mãos, mandou que os meninos fossem embora dali.
E eles prontamente obedeceram. O medo de serem presos nos porões do Doi-Codi e dados simplesmente como "desaparecidos", causando angústia e desespero aos familiares e amigos era algo físico, palpável. Até inocentes meninos brincando em suas quadras residenciais desapareciam do nada e sem qualquer justificativa.
O Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) foi um órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante o regime inaugurado com o golpe militar de 31 de março de 1964, a ditadura militar, também chamada de "Anos de Chumbo".
Destinado a combater inimigos internos que supostamente ameaçariam a segurança nacional, como a de outros órgãos de repressão brasileiros no período, a sua filosofia de atuação era pautada na Doutrina de Segurança Nacional, formulada no contexto da Guerra Fria nos bancos do National War College, instituição norte-americana, e aprofundada, no Brasil, pela Escola Superior de Guerra (ESG).
Hoje, esses meninos são quarentões pais de família e riem dessa história, mas sabem que o seu final poderia ser bem diferente.
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