Lá pros idos dos anos 90, certo dia, eu acompanhava o famoso poeta brasileiro Thiago de Mello até o Aeroporto de Brasília. Eu, projeto de escritor, ele, escritor consagrado e que tinha acabado de lançar um novo livro.
Chegando ao Aeroporto JK, depois de quilômetros de boas histórias, o Poeta me pede licença e segue em direção à livraria do edifício.
Achei legal, e acompanhei aquele senhor grisalho, idoso e firme em seus passos que lembrava alguma árvore majestosa do Amazonas, sua terra querida e tantas vezes por ele cantada. Sua roupa branca, de algodão voava, indiferente aos ternos brasilienses que empesteavam o local ameaçando nos derrubar a qualquer momento, invejosos da sua leveza.
O Poeta entrou peremptoriamente na livraria e foi logo procurando algo. Acompanhei sua busca pensando também adquirir o livro que ele procurava, descobrir qual o autor que deixava o mestre com disposição juvenil e ar preocupado.
- Onde está o meu livro? Perguntou repentinamente a um funcionário da livraria.
- O senhor já escolheu? O empregado devolveu a pergunta, fingindo não conhecer o famoso interlocutor.
- Não. Estou perguntando pelo meu livro. O Livro que escrevi e lancei esta semana em Brasília. Por que não está exposto.
Diante da incerteza do rapaz e da certeza que tive que ele não conhecia o Poeta, eu informei-lhe, discretamente, entre dentes, que aquele senhor era Thiago de Mello, um dos maiores poetas brasileiro e tradutor. Que ele nasceu no Estado do Amazonas. Que ele é um dos poetas mais influentes e respeitados no país, reconhecido como um ícone da literatura regional.
Tem obras traduzidas para mais de trinta idiomas. Preso durante a ditadura militar (1964-1985), exilou-se no Chile, encontrando em Pablo Neruda um amigo e colaborador. Um traduziu a obra do outro e Neruda escreveu ensaios sobre o amigo.
No exílio, morou na Argentina, Chile, França, Alemanha. Com o fim do regime militar, voltou à sua cidade natal, Barreirinha , onde vive até hoje.
Seu poema mais conhecido é Os Estatutos do Homem, onde o poeta chama a atenção do leitor para os valores simples da natureza humana. Seu livro Poesia Comprometida com a Minha e a Tua Vida rendeu-lhe, em 1975, ainda durante o regime militar, prêmio concedido pela Associação Paulista dos Críticos de Arte. e tornou-o conhecido internacionalmente como um intelectual engajado na luta pelos Direito Humanos.
Generoso, sendo essa, segundo amigos, uma das suas principais característica, sempre atribuiu a outros poetas uma poesia maior que a sua, enaltecendo e declamando em diversas ocasiões textos de Ferreira Gullar, Souza lopes, Marcelo Adifa (quando este sequer havia sido publicado), Jáder de Carvalho e Lacyr Anderson.
Correndo o rapaz chamou o gerente, pois, mesmo depois de toda informação, ele fez uma expressão surpreendente, de quem estava diante de um fantasma ou um ser mitológico. Talvez acreditasse que não existissem autores vivos.
Tentei distrair o Poeta, pois Ele estava ficando nervoso e muito chateado. Thiago de Mello pediu meu celular emprestado e ligou para seu Editor e distribuidor. Estava dando-lhe uma bronca quando o gerente desculpando-se, lhe dirigiu a palavra.
- Senhor Thiago de Mello, nos perdoe por não ter colocado seu livro em exposição. As editoras nos mandam milhares de títulos mensais. Não temos mais espaço. Quando fizermos a devolução de alguns títulos encalhados, prometo que seu livro terá o destaque que merece.
Cara, eu não acreditava no que estava ouvindo. Um poeta laureado sem espaço em uma livraria, como assim??? Eu perguntei: e se alguém quisesse comprar o livro como eles fariam? E ele me respondeu que, ou a pessoa esperava eles pegarem no estoque, mais ou menos uma meia hora, ou voltasse no dia seguinte. Simples assim.
Então conclui que, se há vinte anos a situação estava assim nas livrarias, imagine hoje.
A melhor opção para o autores é buscar outros espaços para deixar suas obras em consignação, colocando, no máximo, um ou dois exemplares expostos de forma a despertar a curiosidade do consumidor. Esses novos espaços são os Cafés, Lanchonetes, Supermercados, Boutiques, Cabeleireiros, pontos de ônibus e até alguns Açougues que fazem saraus de poesia e literatura, onde o livro é um destaque na paisagem e não um amontoado de lombadas empilhadas em estantes que chegam a medir cinco metros de altura, assustando leitores eventuais e até mesmo os leitores que gostam de garimpar uma boa obra.
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