Ela, moça casadoura, como todas as moças.
Ele, menino criado por vó, casadouro, como todos meninos criados por vó.
Shopping center, local de incríveis encontros e de algumas compras.
Como não poderia deixar de acontecer eles se encontraram no Shopping. Aliás foi um encontrão. Estavam andando de cabeça baixa acionando o androide do seus celulares e, quando perceberam a trombada das suas sombras já era tarde, trombaram de verdade e os celulares se espatifaram no chão impecavelmente branco e brilhante. Além das telas, tudo se quebrou.
Mas uma magia permeou a vida deles e eles nem aí para os celulares que assoviavam tentando chamar-lhes a atenção para as novas e irresistíveis mensagens do “Zapzap”.
Em três meses se casaram. Sem se experimentarem antenupcialmente.
Foi uma festa para as família e um alívio para a mãe de Magnólia que via a filha de 40 anos desencalhar depois de formada e doutorada em psicologia forense e a avó de Paulo, cansada de preparar-lhe mistos-quentes-no–pão-de–forma-sem-cascas todas as manhãs. Ele não saía de casa sem comer o misto-quente-no–pão-de–forma-sem-cascas que sua avó religiosamente fazia. “Ainda bem que inventaram o pão de forma sem cascas” – a avó pensava. Só que era muitíssimo mais caro que o pão de forma comum. E ela, por economia, voltou à tarefa de cortar as cascas do pão-de-forma para seu neto, senão ele deprimia.
A festa foi simples, como simples eles eram. E o casamento “deu certo” por dez anos, apesar deles terem consumado as núpcias em uma noite apenas e nunca mais se “pegaram”. Não por falta de vontade dela, Magnólia, mas pela total inércia dele, Paulo.
Sempre foi um menino sem vontade, assexuado como se diz hoje em dia. Sua avó percebia isso, mas entregou o produto sem revelar o defeito. Ela percebia, mas não tinha certeza. Ela percebia porque os banhos do seu neto, quando adolescente, eram ligeiros e mornos. Não eram quentes e demorados como faziam os adolescentes ao experimentarem solitariamente os sentidos do próprio corpo. Ele não fixava demoradamente o olhar nas modelos seminuas ou nuas quando apareciam nas páginas da Internet. "Nem nas modelos e nem nos modelos", sua avó percebia. Certo dia ela deixou uma Playboy aberta na página central onde havia uma supermodelo com as pernas abertas feito um compasso: a perna direita em uma página e a esquerda em outra e, no centro...bom, vocês podem imaginar a imagem entre as páginas!
E Paulo nada. Apaticamente passou pela revista que ficou ali largada acumulando poeira por 15 dos 42 anos do rapaz.
“Ele é da tribo dos assexuados” – sua avó concluiu e guardou o segredo até o túmulo.
Mas Magnólia não se conformava, a princípio.
Sugeriu tratamentos e começou a crer que o problema era dela. Ele dava a entender que o problema era dela, e, com o passar dos anos, mesmo tendo formação acadêmica em psicologia, ela chegou à conclusão que nada sabia, que as teorias aprendidas na faculdade não se encaixavam para lhe dar uma solução prática. Sentia-se burra e indesejável.
Durante DEZ anos ela via nas ruas que os homens não se interessavam por ela. Então começou a vestir menos roupas ou roupas com menos tecidos para sair em suas caminhadas e nada, ninguém babava ou olhava para trás quando ela passava. Nem um assobio sequer dos peões de obra. Ela ficou desolada. Teve a certeza que o problema era dela.
Então, guerreira, ela resolveu dar mais uma chance para aquele casamento sem vida. Abriu uma caderneta de poupança para juntar dinheiro e comprar um Cruzeiro pelo Caribe. “Um Cruzeiro pelo Caribe ninguém resiste, é mágico e, com certeza, nessa segunda Lua-de-Mel a gente volte a fazer amor.” – pensou animada e comunicou ao marido Paulo que também ficou “animado”, pelo menos manifestou ânimo através de um forçado sorriso amarelo.
Na semana da viagem compraram roupas bacanas, brancas e beges que eram “as cores prediletas dos ricos” – o casal acreditava. E assim, Magnólia ansiosa e Paulo cada vez mais calado chegaram ao dia D da partida do Navio.
Ele desistiu. Na última hora ele falou que não ia. Que ela podia ir sozinha, mas que ele morria de medo do mar. “O mar é infinito, e devorador. Não tenho coragem de penetrar tão misterioso universo.” E não foi. E Magnólia, estupefata, foi só.
Até chegar às escadas da magnífica nave ela foi triste e abatida. Sua cabeça pendia mais pesada que o peso das águas do mar. Todavia, diante da lindeza do navio e do olhar de cobiça que o comandante lançou para ela, vendo que ela estava sozinha nessa viagem, ela, Magnólia, renasceu e sentiu a energia e animação de todos a sua volta. Então seu pescoço se encheu de força e levantou-lhe a cabeça. Seu coração pulsou radiante e diante de tal brilho, as pessoas passaram a olhar para Magnólia com forte admiração. “Como pode, uma moça linda e solitária estar tão feliz assim?” Muitos pensaram.
E ela, Magnólia percebeu isso. E ficou mais forte e decidida. Começou a acenar para todos que se despediam do cais, como se todos a conhecessem. E todos acenaram de volta para Magnólia. Sentiam que ali ia um ser feliz que realizaria um sonho.
Durante os sete dias de viagem ela deu pra quem quis. Desde o comandante ao taifeiro. Fez a festa da tripulação e se sentiu festejada, se sentiu uma mulher completa como se tivesse mergulhado nas águas puras da transformação da morte em vida. Sentiu-se mais jovem do que nunca e deixou a nave mais radiante do que havia entrado. "Era uma outra mulher" - sentia.
Em terra firme divorciaram-se e viveram felizes para sempre. Menos a avó que não conseguiu evitar que uma lágrima molhasse a fatia do pão-de-forma do misto-quente-sem-casca do netinho.
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