Aos 14 anos, depois de algumas relações sexuais com o namoradinho José, Maria lhe comunica, para seu horror:
- José, estou grávida!
José, o primeiro namorado de Maria, por pouco não desmaia.
- T-tem certeza?, pergunta a Maria.
- Tenho, José...
- E agora?
Por sorte, apesar de jovens, Maria e José são até bastante responsáveis e maduros, a despeito da inexperiência que, quase certamente, resultou na gravidez da garota. Resolveram que iriam encarar.
Mas o problema eram as famílias dos jovens. Pobres, remediados, moradores em áreas subdesenvolvidas da cidade. José trabalhava de entregador de pizzas e estudava pela manhã. Fazia curso profissionalizante de Marcenaria. Maria cursava a 8a.Série.
Enfim, a vida material, que não era nada confortável, tinha todos os indícios de que não melhoraria com a vinda de um bebê. Infelizmente essa era a realidade do jovem casal.
Informadas as famílias, cenas dramáticas aqui e acolá, a verdade é que todos ficaram compulsoriamente envolvidos, de uma forma ou de outra.
- Tá de quantos meses?, perguntou o pai de Maria, após a tentativa frustrada de espancá-la. Felizmente foi impedido pela mãe de Maria. Ele, que achava que a menina ainda era virgem ( aliás, todos achavam isso daquela menina quieta e estudiosa. Mas, enfim, a vida é assim mesmo ).
Não são todas as pessoas que exibem compreensão e carinho em horas difíceis assim.
Enfim, superadas as incompreensões iniciais - sobretudo a sugestão do pai de Maria para que ela abortasse - decidiu-se que o bebê seria bem-vindo e deveria ser amado incondicionalmente.
- Fazer o quê?
A primeira providência racional foi buscar o atendimento público de saúde. Maria foi atendida por um médico e, em seguida, foi marcado um pré-natal. Isso é muito importante. Fundamental, na verdade.
Pois bem, o tempo foi passando, a gestação sendo monitorada. O ventre de Maria foi aumentando, aumentando. Consultas a ginecologistas e obstetras se tornaram rotina na vida da menina.
Mesmo com todas as dificuldades, ninguém deixou de se emocionar diante do ultrassom que mostrava aquela vida se desenvolvendo dentro de Maria. O pai dela caiu em prantos, e não de desespero. De orgulho. Como são as coisas, heim?
O tempo foi passando, a data do parto se aproximava.
Mas...
Certo dia, Maria estava diante do espelho, apreciando seu ventre avantajado. Mas algo lhe incomodou.
- E-ele...parece...MENOR?
Maria entrou em pânico. Pegou o celular e rapidamente ligou para José, que se encontrava na rua entregando uma quatro-queijos.
No dia seguinte, sem comunicar à família de Maria, foram ao pronto-socorro. Maria diz a José:
- Parece que ela tá menor que ontem, José.
- S-será, Maria? Será possível?
- Ai, José, será que aconteceu alguma coisa?
- Putz, queira Deus que não!
- É... Queira Deus.
A médica que os atendeu tranquilizou-os. Após uma série de exames de emergência, constatou que a saúde de Maria estava excelente e a do bebê idem.
- A criança está supersaudável, comunicou a doutora ao jovem casal.
Mas Maria continuou intranquila. Sem, no entanto, transmitir isso a José.
- Deve ter sido impressão, suspirou José.
- É, deve ter sido, assentiu Maria.
Nos dias que seguiram, Maria percebeu que claramente sua barriga ia diminuindo. Será que o bebê teria...
- Não, Deus me livre, isso não, pensou a menina.
Para disfarçar a diminuição progressiva da barriga, Maria começou a usar enchimentos sob as roupas largas. Conseguiu que ninguém percebesse, nem mesmo José, e a expectativa geral para o nascimento só aumentava. Enxoval, chá de bebê, tudo ia sendo preparado e providenciado pelas famílias e amigos.
Certo dia, finalmente, Maria sentiu dores fortes.
- Chegou a hora!, disse a mãe de Maria.
- Finalmente!, asseverou o pai da menina.
Pegaram o carro e a levaram ao hospital. No caminho, telefonaram para José ( que estava na rua entregando uma de aliche num local próximo ).
A menina deu entrada no hospital. Chegara a hora. Seria mãe.
José chegou vinte minutos depois.
( *** )
O tempo passava arrastadamente. Não havia notícias. O pai de Maria pergunta à mãe da menina:
- Será que tá tudo bem?
Estranhamente, ela parecia calma. Ela não respondeu à pergunta do marido. Manuseava o velho terço que pertencera a sua mãe, e que não tinha jogado no lixo por questões sentimentais..
"A velha deve estar mais nervosa que eu!", pensou o pai de Maria.
Seu Joaquim ( era esse o nome do pai de Maria ), que tinha deixado de fumar há uns 12 anos, estava agora acendendo um cigarro atrás do outro.
Dona Ana, que - era de conhecimento de todos - não mantinha hábitos religiosos, manuseava freneticamente o velho terço.
( *** )
De repente, um zum-zum-zum agita o hospital. Médicos, enfermeiros, enjalecados diversos se dirigem ao local onde estava Maria.
- Aimeudeusdocéu, velha, será que aconteceu alguma coisa com nossa menina?, pergunta seu Joaquim.
- Não sei, Quim.
- Ou com o menino?
- Não tem como saber, Quim. Tem que esperar.
- Eu vou lá na recepção perguntar. Não, melhor: eu vou invadir lá! A gente tem o direito de ser informado. Essa espelunca! Esse açougue!! Essa estrebaria! Que que tá acontecendo com nossa menina?
E seu Joaquim começa a soluçar, sob o olhar terno da esposa:
- Minha menina, que que fizeram com minha menina...?
José, o pai do bebê, estava branco como cera e olhava aterrorizado para o velho Joaquim. Aquele velho durão não resistira a tanta apreensão e suspense.
A velha Ana, no entanto, parecia calma e confiante.
- Tenha fé, Quim! Eu tenho fé!
- Desde quando, véia?
- Eu tenho fé...só digo isso. Fique calmo.
( *** )
Finalmente, o médico chama os familiares de Maria.
Na enfermaria, onde estava Maria, se encontravam umas duas dezenas de profissionais de saúde. Um silêncio estupefato pairava no ar.
- Minha filha!
- Papai! Mamãe! José!
( *** )
Doutor César comunica à família:
- Não havia bebê!
"O QUÊ!!!!!??? "
Sim, é isso mesmo o que vocês leram: não havia bebê. Não importa que todos os exames físicos e a própria barriga de Maria dos primeiros meses mostavam o contrário. O ultrassom. A descoberta de que o bebê era um menino.
- Mas como?
- Ela chegou aqui com uma barriga falsa! Vocês não perceberam?
- N-não! Claro que não! M-m-mas, e os exames? Todas as bateladas de exames que ela fez durante esse tempo todo? Nada tinha apontado coisa alguma, problema nenhum. E os vômitos e enjôos?
O médico respondeu que não tinha explicação praquilo. Que poderia ser um caso de gravidez psicológica, mas tinha coisas ali que não dava para explicar. Não havia sinais de aborto, forçado, induzido ou natural. Sequer havia indícios claros de que algum dia aquela menina tenha estado grávida.
O caso foi encaminhado para o Conselho de Medicina, para a Secretaria de Saúde, para as Faculdades de Medicina para ser estudado. Os jornais não foram informados, no entanto. Não havia clima para sensacionalismos baratos. Aquilo era evento muito sério.
( *** )
Aos poucos, a vida de Maria e José foi voltando ao normal. Logo após o parto que não houve, uma consulta de rotina no ginecologista constatou que ela nunca havia deixado de ser virgem.
- Como é que pode isso, José?
José não tinha o que responder, mas até que gostou daquilo. Nova em folha...
O tempo passou, e as respostas para o estranho caso de Maria e José não foram dadas. Dúvidas não foram sanadas. Tudo permaneceu um imenso e insondável mistério. Hoje em dia as pessoas envolvidas esqueceram, superaram e outras preferem nem tocar no assunto.
Maria e José se casaram anos depois. Tiveram um filho num momento ainda difícil de suas vidas. O menino cresceu, ajudou o pai em sua marcenaria e, no futuro, tornou-se um importante líder político de massas.
O pai de Maria não chegou a ver sua filha e seu genro casados, morrendo anos antes, durante o sono. Frustrado, por não ter tido netos.
Ana, a mãe de Maria, faleceu pouco tempo após a morte de Joaquim.
Ela levou para o túmulo seu maior segredo: na mesma noite em que descobriu a gravidez precoce da filha, resgatou o terço da avó de Maria e passou a rezar em todos os momentos dos dias que se seguiram, pedindo aos Céus que a aquela gravidez cessasse, pois as famílias eram pobres e a vinda de uma criança desestruturaria tudo. O terço foi um importante aliado, acreditava.
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